O livro Os Humarantes, é uma compilação de três episódios âncoras independentes e complementares:
Episódio II - A Revelação (4 capítulos) (2011/2012)
Este episódio se apresenta como um importante elo na construção dos mistérios, que aos poucos vão sendo revelados mediante uma série de eventos temporais. Conta a história de um povo extraterrestre, de vida simples e que faz uso de tecnologia rudimentar para sobreviver. Não obstante as suas limitações, a cultura desse povo está diretamente associada a antigas lendas, que se referem as suas prováveis origens e transmitida por gerações de forma oral e pictográficas. O personagem principal é achado desmaiado em uma planície freqüentada por caçadores e coletores de sementes e frutos. Ele é reconhecido pelos anciões como um mensageiro de um clã vizinho e experimenta o drama de ter perdido a memória. Uma conspiração que envolve seres de aparência humana e intimamente ligados a uma antiga cultura do Planeta Terra, se esforçam contra o tempo para evitar que ele e seu povo sejam mortos. Os anciões decidem pedir a ajuda de um velho e enigmático eremita que vive no alto das montanhas geladas e com a participação de outros três personagens, conseguem, com coragem e humor, enfrentar desafios e selar uma amizade que será novamente vivenciada numa futura existência.
Episódio II
A REVELAÇÃO
Capítulo
1
O MENSAGEIRO
Ainda não havia alvorada, quando os primeiros agricultores da aldeia dos
manasis iniciavam as suas tarefas de colheita no Vale do Sial, região com
terras generosamente férteis, cercada de rios e grandes lagos. A maioria dos
habitantes se encontrava dormindo no aconchego dos seus lares, abrigos rústicos
construídos basicamente de pedras porosas e rejuntados com uma combinação de
argilas especiais. Os manasis vivem exclusivamente para a sua subsistência,
coletando víveres e frutos. Constroem armadilhas para caçar e pescar. Fazem uso
de ferramentas rústicas para cultivar grãos e ervas.
Além de hábeis artesãos, os manasis possuem uma rica cultura baseada em
antigas histórias e lendas, que são transmitidas oralmente de geração em
geração, mediante uma linguagem complexa e repleta de significados que são
traduzidos por ilustrações bem elaboradas, não possuindo linguagem escrita. Os
manasis dividem, com outras dezenas de povos culturalmente similares, um
planeta de pequenas dimensões chamado de Gir, o único habitável de um sistema
solar composto por mais seis planetas, todos relativamente próximos e, vistos
no céu durante o dia e a noite.
O Planeta Gir e outras centenas de sistemas solares localizam-se numa
região periférica que integra os domínios da Federação Áxis. Foi parcialmente
estudado pelos primeiros cientistas, centenas de anos antes da formação da
própria federação, que o classificaram como reserva planetária. Os mundos dessa
natureza e que não possuíam nenhuma civilização nativa, permaneciam isolados
por longos períodos e só poderiam ser revisitados durante poucas semanas a cada
500 anos.
Por se encontrar muito distante dos principais centros de civilização, o
Planeta Gir, assim como outros, também estava fora das rotas das naves
espaciais. Pouco tempo depois da criação da federação, estações de observações
foram construídas, entre outros objetivos, para monitorar a violação desses
quadrantes.
Desde a sua última visita, a Federação Áxis nunca soube da existência de
seres conscientes que viviam em sociedade no Planeta Gir, assim como, nunca
detectou a aproximação de naves não autorizadas em centenas de anos.
A federação é poderosa e antiga. Representa a união de mais de 50
civilizações desenvolvidas, reunidas num conglomerado de constelações e nebulosas
conhecidas como Galáxia de Áxis.
No Vale do Sial, poucos manasis foram recolher grãos e frutos, o que não
é um comportamento normal desse povo simples e hospitaleiro. A rotação do
Planeta Gir é lenta, cujas noites e os dias duram em dobro em comparação ao
Planeta Terra.
Nos horários de luminosidade, os manasis se dedicam intensamente as suas
atividades corriqueiras necessárias a sua sobrevivência, e durante as longas e
frias noites seguintes, se recompõem em seus lares com merecidos descansos, um
pouco de diversão com as crianças e ensinamentos teóricos aos mais jovens.
Os manasis estão assustados e desconfiados, o motivo foi uma chuva de
meteoritos que iluminou o céu da noite anterior. Felizmente, nenhum estrago até
então foi encontrado no vale, que segundo a tradição religiosa desse povo, foi
devido a uma intervenção divina. Mesmo assim, os pacatos manasis preferiram
manter-se mais tempo em seus lares.
No Planeta Gir não existe confrontos entre os clãs, não havendo assim,
necessidade de guerreiros ou soldados. Eles se espalharam por regiões
específicas onde criam as suas famílias.
Entre os manasis que participam da colheita, encontram-se dois irmãos
avançados na idade, cujos nomes são: Tabu e Certia.
Eles falavam sobre as pedras de fogo que caíram do céu, pois já haviam
presenciado esse fenômeno centenas de vezes, mas havia algo de diferente que
eles queriam saber.
O que os dois irmãos viram, não eram meteoritos normais, é como se algo
estivesse explodido no espaço e seus fragmentos caídos no planeta.
- Penso que em breve alguém vai nos
avisar o que houve em nosso céu - disse Tabu, sentado numa pedra, enchendo uma
cesta de grãos.
- O povo ficou assustado. Será que
outras aldeias viram? – pergunta Certia, enquanto separa feixes de fibra
vegetal.
Pensativo Tabu responde:
- Estamos muito próximos das outras
aldeias por causa da água e da fertilidade deste vale. Mas acho que se
aconteceu algo de ruim, foi muito mais adiante.
- No Vale de Sez?
- Pode ser! Fica logo atrás das
montanhas, um mensageiro veloz chegaria em pouco tempo, além do que, estamos na
época dos casamentos e não vai demorar muito para chegar os convites.
- Confio em você Tabu, sempre acertou
nas previsões das coisas. Os deuses lhe abençoaram com esse dom.
- Não é nada disso irmão. Os deuses
nos abençoaram com esta colheita, com a água que nos sacia e o fogo que nos
aquece. Você que quase nunca se lembra de olhar para as estrelas e contar o
tempo – disse Tabu jogando um pouco de feno nas costas do irmão, que retribui
devolvendo a brincadeira com um sorriso.
Apesar da idade madura, os dois irmãos são fortes e saudáveis. Eles
terminam o trabalho e rapidamente se apóiam nas tiras acopladas nas cestas
abarrotadas de grãos, suspendendo-as sobre as costas. Após alguns minutos de
vigorosa caminhada, eles escutam assovios de outros companheiros a certa
distância. Trata-se de um assovio de
alerta, muito usado entre os manasis.
Tabu e Certia largam imediatamente as cestas. Eles seguem em direção aos
amigos que estão em volta de um corpo deitado no chão.
- O que houve? – pergunta Certia.
- Não sabemos – responde Porfi, um
dos mais jovens manasis ali presentes.
Tabu, que domina a arte da medicina, se ajoelha perto do corpo e põe o
ouvido no tórax do desconhecido.
- Afastem-se! Preciso saber se está
vivo!
- Então? – pergunta Certia – Está vivo?
O ancião levanta o braço com a mão aberta exigindo silêncio, enquanto
ausculta o coração.
- Sim! Está vivo, apenas
enfraquecido. Se não tiver cuidados morrerá.
Tabu vasculha os bolsos das vestes do estrangeiro e encontra um pequeno
e grosso canudo de tecido.
- Um mensageiro? – surpreende-se
Porfi, um aprendiz que aguarda a oportunidade de exercer em breve, essa função
entre os manasis.
Tabu abre o rústico tecido e imediatamente identifica os desenhos
alusivos a uma cerimônia. Ao levantar-se, observa atento o seu entorno em busca
de outras evidências e olha para o irmão com desconfiança. Certia pega do irmão
o tecido pintado, e compartilha com os amigos, passando de mão e mão.
Certia reconhece a simbologia da mensagem:
- Um convite de casamento dos amabis?
Novos assobios ressoam pela plantação alta. Os caçadores manasis que
seguiram para pontos mais distantes do vale, trazem sob um tipo de reboque, um
corpo de animal morto, um mesca. Esses
animais são muito utilizados pelos mensageiros como transporte rápido. É uma
mistura semelhante aos ilhamas e cavalos existentes no Planeta Terra, porém bem
maiores e mais robustos.
- De onde vem este mesca? – pergunta
Tabu.
- Avistamos há muitos passos de
distância, no campo vermelho, perto da entrada da trilha da montanha. – responde
Ascat, que também é um adestrador de mescas.
- Caçaram alguma coisa?
- Perdemos muito tempo para chegar ao
local e percebemos que curiosamente, as nossas caças se esconderam.
Certia toca no animal depois de procurar no mesca, sinais de ataques de
predadores ou doenças
- Ele ainda está congelado. Sua carne
e pele ainda nos servem. Podemos levar para a aldeia.
Ascat arrisca um comentário:
- Mesmo seguindo pelas montanhas, a
aldeia dos amabis é distante. Esse mensageiro deve ter acelerado muito e esgotou
as forças desse animal.
Porfi concorda:
- Não era preciso tanta pressa para
entregar este convite. Aqui diz que o casamento acontecerá daqui a 15 noites.
Todos ficam em quietos, cada um imaginando uma explicação lógica.
Certia quebra o silêncio:
- Porfi está certo. Não haveria
necessidade de tanta pressa. Acho que estava em fuga.
- Alguém já viu esse amabis antes?– pergunta
Tabu.
- O povo amabis não é numeroso e
costuma se relacionar com o povo urus, trocando mercadorias e casando seus
filhos. É comum que alguns grupos de ambos os povos se isolem em regiões
próximas as suas aldeias. Se o tivesse visto antes, certamente o reconheceria –
responde Certia.
- Só ele poderá dizer o que
aconteceu. Mas parece que estava perdido ou fugindo de alguma coisa - diz
Ascat.
Porfi comenta uma possibilidade:
- Será que foi das pedras de fogo que
caíram do céu? Ou foi algum animal?
- Não. Estaria bem mais ferido se
fossem as pedras de fogo. E também, teria sido devorado se encontrasse um
predador. Sabemos que aqui no vale não mais existe. – responde Tabu – Bem!
Vamos levar esse mensageiro conosco para a aldeia, ele agora é nossa
responsabilidade. E quanto ao mesca, seguiremos a tradição, trocaremos sua
carne e pele pela primeira cria que nascer de nossos rebanhos.
Os manasis que ficaram na aldeia, aos poucos saíram dos abrigos e foram
cuidar dos seus afazeres. As poucas crianças corriam barulhentas entre os
canteiros de legumes e ervas. Os jovens recolhem pedras para as fogueiras das
próximas noites. As matriarcas, sempre muito falantes, separam os ingredientes
para fazer um reforçado caldo para saciar a fome dos exaustos caçadores e
colhedores de grãos, que já assoviavam a distância, avisando da sua chegada.
Ao avistarem o reboque com um mesca e, sobre ele, o corpo do mensageiro
entre as cestas de grãos, todos correram curiosos para ver de perto a inusitada
novidade. As esposas abraçavam os seus maridos, enquanto os demais companheiros
flertavam com as poucas solteiras disponíveis. As crianças se aproveitavam da
distração dos adultos e corriam exaltadas atrás do reboque, e as mais ousadas,
insistiam em subir e aproveitar uma breve carona.
O mensageiro, ainda inconsciente, foi conduzido para um confortável
abrigo. Ficou aos cuidados de algumas jovens matriarcas, que se revezavam
aplicando compressas aromáticas receitadas por Tabu e seus seguidores de conhecimento.
Todos os cuidados médicos disponíveis dos manasis foram empregados para prestar
os primeiros atendimentos ao estrangeiro, que até então, não demonstrava o
menor sinal de reanimação.
O tempo passa e o céu anuncia o entardecer das primeiras longas noites.
Tabu vai fazer a sua última visita ao enfermo e encontra Nelin, a jovem viúva
de Domar e cunhada de Ascat.
- Então. Como ele está?
- Seu rosto já tem mais cor e sua
respiração está firme – responde Nelin.
- Ele dorme há muito tempo, em breve
vai acordar. Quando isso acontecer, peça para Ascat me avisar.
- Está bem, farei isso – Disse Nelin,
distraída e olhando fixamente para o mensageiro.
Tabu se detém um pouco antes de sair. Nelin percebe o olhar fixo de Tabu
para ela.
Com singela timidez ela pergunta:
- Mas alguma coisa Tabu?
- Está segura em ficar aqui sozinha
com este estrangeiro desconhecido?
- Está tudo bem, não se preocupe. Quero
ajudar na recuperação dele.
Tabu se retira, esboçando um discreto sorriso.
Poucas horas depois da visita de Tabu, o mensageiro lentamente abre os
olhos e se depara com a silhueta de Nelin, iluminada pela fraca luz da lareira
que aquece o ambiente e conforta o corpo do enfermo. Ele respira suavemente
aliviado, sentindo-se seguro em olhar Nelin, que toca em sua testa. Ela o
tranqüiliza em voz baixa.
- Agora você está bem, está sem febre
e os seus ferimentos cicatrizam.
O mensageiro tenta se levantar mais
não consegue, sente dores.
- Descanse mais um pouco. Precisa
recuperar suas forças.
- Onde estou?
- Na aldeia dos manasis. Está seguro
aqui.
Ascat, que se encontrava próximo à entrada do abrigo, escuta a voz de
Nelin e entra para conferir. Aproxima-se e observa que o mensageiro se
recupera. Nelin olha para Ascat e meneando a cabeça, sinaliza para que chame
Tabu, que mora próximo.
Tabu quando chega, não perde tempo, fala com o mensageiro perguntando o
seu nome.
- Meu nome? – impacienta-se o
mensageiro pondo a mão na cabeça e confuso.
- Tenha calma! – Disse Tabu, pondo
gentilmente a mão em seu tórax – Está entre amigos, encontramos você
inconsciente e ferido em nossa plantação, trazia um convite de casamento da
aldeia dos amabis e seu mesca foi achado morto próximo a montanha. Você pode
dizer o que aconteceu?
- Não consigo lembrar!
- Tudo bem. Temos bastante tempo, precisa
se alimentar. Quando estiver recuperado voltaremos a conversar.
- Obrigado por salvar minha vida.
- Não precisa agradecer. Agora quero
que você nos ajude a recuperar sua saúde.
Ouvindo isto, Nelin se dirige para perto do fogo e retira uma vasilha de
cerâmica aquecida. Delicadamente põe um pouco de caldo morno em um copo e
acrescenta algumas ervas medicinais aromáticas. O mensageiro bebe com
sofreguidão.
- Calma. Devagar, está quente.
- Desculpe, é que estou faminto – diz
o mensageiro ensaiando um princípio de engasgo.
- Deixo-o comer à vontade – orienta
Tabu – Seu corpo fraco escurece a mente. Quando a luz do dia retornar, lhe
ofereça a carne do mesca e água fresca do sereno. Mas antes, peça para Ascat
ajudá-lo a banhar-se e dê-lhe roupa limpa.
Nelin escuta o ancião e observa a chegada de Julaia, outra matriarca que
irá substituí-la na troca de plantão.
Enquanto Tabu orienta os procedimentos para Julaia, Nelin se aproxima
rapidamente do mensageiro e diz que vai se ausentar e que ele ficará algum
tempo sob os cuidados da amiga. O mensageiro, demonstrando gratidão e afeição,
segura discretamente a mão de Nelin o que ela retribui com um sorriso.
- Tenha paciência, você logo ficará
bom – Diz ela sussurrando ao seu ouvido.
Nelin retira-se do abrigo acompanhado de Tabu e o cunhado, enquanto
Julaia, uma idosa e experiente matriarca, se aproxima do mensageiro verificando
as cobertas e lhe oferecendo um chá.
- Meu nome é Julaia, ficarei com você
agora. Se quiser posso lhe entreter contando estórias do nosso povo.
- Sim, Obrigado. Gostaria de saber um
pouco da vida do povo que tão generosamente me acolheu e cuidou dos meus
ferimentos.
- O que quer saber?
O mensageiro acha estranho o comportamento da matriarca, que pergunta
com um leve sorriso.
- Desculpe, não quis ofender, é que
você fala com um sotaque amabis que eu não conhecia.
- Não precisa se desculpar, nem me
lembro de como vim parar aqui. E o primeiro rosto que vi quando acordei foi o
de Nelin. Diga-me, por favor, e sem querer ofender, ela é casada?
- Viúva – Disse Julaia, enquanto puxa
um banco para sentar-se próxima do mensageiro – Não usa mais a pulseira de
casada. Seu marido Domar morreu subitamente no mesmo dia em que se casou com
Nelin. Ele era muito querido por todos. Era um homem sábio, apesar de ser muito
mais velho do que ela.
- Isso é muito triste. E depois! Não
se interessou por mais ninguém?
Julaia responde com indiferença.
- Não. Ela foi cortejada por muitos, mas não
se interessou por ninguém. Ela é jovem e bonita, poderia ter muitos filhos e
aproveitar uma vida longa e feliz. Vive escondida em seus pensamentos, dizia
que um dia voltaria para o seu povo.
- Ela não é uma manasis?
- Tornou-se depois que casou com
Domar. Ele era um viajante e um dos líderes dos manasis. Fazia longas jornadas
conhecendo povos mais distantes de Gir. Trazia conhecimentos e histórias para o
nosso povo.
- E como se conheceram?
- Ele a conheceu nos campos, próximo
a aldeia de Urus, que fica numa região distante do Vale do Sial. Morava sozinha
num velho abrigo de caçadores. Seus pais morreram de velhice e não tinha
irmãos. Vivia exclusivamente para as suas obrigações de colheitas e pequenas
criações. Uma vez, quando a escuridão se aproximava, Domar ainda não tinha
encontrado um lugar seguro. Estava sem comida, exausto e com pouca água. Temia
em morrer com o frio das longas noites. Ao se aproximar do seu abrigo, Nelin o
acolheu. Durante o tempo em que estavam juntos, eles se apaixonaram e Domar
disse que retornaria ao povo manasis, convidando-a para ser sua esposa. Nelin
ficou muito feliz com o convite, estava cansada e insegura de viver sozinha.
Foi uma grande surpresa quando vimos Domar chegar com ela. Todos estavam
encantados com a sua beleza, seu sorriso e seu jeito meigo e tímido de jovem
estrangeira. Noites depois, realizamos o casamento, foi uma festa muito bonita
e alegre, Domar estava robusto e rejuvenescido, parecia o mais saudável dos
manasis, mas não pode aproveitar sua vida de casado, morrendo... – Julaia
enxuga algumas lágrimas que escorrem dos olhos marejados.
- Eu sinto muito.
- Todos sentiram a morte de Domar. A
jovem Nelin quase adoeceu de tristeza. Fiquei com ela todo esse tempo e graças
ao carinho e atenção de todos, ela superou esta perda e se juntou
definitivamente aos manasis.
- Ela ainda pretende ir embora?
- Acho que ela encontrou um motivo
para ficar. – diz Julaia, cerrando os olhos atentamente para o mensageiro,
esperando um sinal que confirmasse as suas suspeitas.
- E qual seria?
- Se eu não estiver errada, percebi a
maneira carinhosa como ela cuida de você. Os olhos falam mais do que os
desenhos, mensageiro.
- Então percebeu?
Julaia se empolgada, levantando-se do banco.
- Sim! Acho que ela gostou de você.
Seria bom que tivesse um nome.
- Falo a verdade. Não me lembro de
nada que aconteceu. Nem do meu nome.
- Se você permitir, posso lhe dá um
nome, sou boa nisso. Pelo menos, até se lembrar do seu.
- Faria isso por mim?
- Que tal Ydegart?
- Parece um bom nome.
- Nem tanto! Significa “sem
lembranças” na antiga língua manasis.
- Parece que sou eu – sorrir o
mensageiro – Por enquanto me chamo Ydegart.
A matriarca Julaia se levanta animada e sorridente. Nunca aceitou a
idéia de Nelin abandonar a aldeia, queria que se casasse e fosse feliz entre os
manasis. Quando percebeu o brilho nos olhos de Nelin ao ver o estrangeiro,
aceitou aquilo como uma possibilidade de devolver à amiga o companheirismo de
um marido que pudesse lhe dedicar afeição.
Julaia se aproxima de Ydegart e o convence a dormir.
- Acho que por enquanto está bom de
histórias! Você precisa descansar e eu já estou velha, meu corpo não é tão
resistente como antes.
- Sim Julaia, estou bem. Vou dormir
um pouco mais, não se preocupe comigo.
- Se precisar de algo é só me chamar.
Tenho sono leve.
- Agradeço. É muito gentil.
- Também gostei de você Ydegart. –
diz Julaia, bocejando e levantando uma grossa coberta de pele de mesca que lhe
serve de cobertor num canto da parede.
Após a longa noite, a luz do dia se anuncia por entre as montanhas que
cercam o Vale do Sial. Alguns voluntários selecionados por Tabu adentram no
abrigo onde Ydegart se encontra. Eles trazem algumas tigelas contendo uma lama
avermelhada, completando o tratamento de recuperação do estrangeiro. Discretamente,
Julaia se retira.
Ydegart é despido e seu corpo é untado com a lama. Após algum tempo, sob
os olhares de Ascat, é banhado em uma tina e vestido com roupas limpas e
arejadas.
- Vejo que se recuperou bem? – Diz
Ascat.
- Sim, estou bem melhor.
- Sua comida está pronta, virá até a
minha casa. É meu convidado.
- Não quero incomodar, acho que já
posso retornar para o meu povo.
- Ainda não está em condições, a
viagem é longa e cansativa. Suas lembranças não retornaram, não seria bom para
a reputação dos manasis deixá-lo voltar nesse estado, arriscando se perder
pelos estreitos caminhos da montanha.
Capítulo 3
OS INVASORES
- Aceito suas recomendações. Mas
irei, assim que recuperar minhas lembranças e minhas forças. Gostaria apenas de
receber comida e água para a minha jornada de retorno. Serei grato, por tudo
que fizeram por mim.
- Terá tudo o que precisar mensageiro
- Ascat levanta a cortina do abrigo, convidando-o a sair – Fique um pouco mais,
em breve vamos realizar a festa da colheita, a sua presença é bem-vinda.
Ao sair do abrigo, o mensageiro sente-se novamente vivo, respira
longamente o ar matinal e observa alguns insetos fosforescentes que rodopiam
algumas flores de hábitos noturnos que se fecham lentamente. O cheiro das
pedras quentes das fogueiras rivaliza com os aromas de outros tipos de flores
que despertam com rara beleza.
- Ydegart – cumprimenta Julaia,
sorridente.
- Ydegart? É um nome... estranho para
um amabis – comenta Ascat.
- Não é o meu nome – Sorrir – Foi
Julaia que o escolheu.
- “Sem lembranças?” Não acho um bom
nome, mas se não lhe incomoda...
- Não incomoda. Gosto do nome, enquanto
não lembrar o verdadeiro.
- Se assim prefere – Ascat põem a mão
no ombro de Ydegart e indicando-lhe caminho, olha de soslaio para Julaia, que
abaixa a cabeça pondo a mão na boca para conter um sorriso discreto.
A casa de Ascat fica alguns minutos de caminhada do abrigo dos enfermos,
e pela primeira vez, Ydegart pode testemunhar a vida cotidiana dos manasis.
Algumas matriarcas se dedicando aos afazeres domésticos, enquanto as mais
jovens cruzam o seu caminho, conduzindo cestas com frutos, olhando-o com
cumprimentos e sorrisos. Ydegart retribui acenando e mentalmente, as compara em
vão com a beleza de Nelin, que lhe inspira forte atração.
Mais adiante, Ydegart observa um grupo de mescas domesticados, pastando
tranqüilos na baixa de uma várzea, próxima a um curso de riacho. Ascat percebe
o olhar ansioso de Ydegart, o desejo reprimido de retornar para o seu povo e a
incômoda falta de memória.
- São belos animais, não acha? – comenta
Ascat.
- Sim! São muito saudáveis.
- Não se preocupe Ydegart. Terá um
desses quando estiver pronto para voltar para o seu povo, um presente dos
manasis.
- Agradeço, mas a falta de lembranças
me atormenta.
Ao chegar à casa de Ascat, o mensageiro se depara com Nelin, que o
recebe com simplicidade, convidando-o a sentar num banco acolchoado, junto a
uma mesa de pedra. Ydegart atende a cortesia e fixa o olhar em Nelin, esperando
um comentário sobre o seu estado de saúde. Ela pouca atenção lhe dispensa,
mantendo-se concentrada em retirar a comida de um forno rudimentar.
Ascat senta-se ao lado de Ydegart e Nelin os serve com porções generosas
de um ensopado de mesca. Uma jarra com água de sereno e um copo é posto em sua
frente. Ydegart bebe suavemente, sentido um frescor agradável e discretamente,
aproveitando-se da distração de Ascat que pica raízes amargas para misturar ao
ensopado, olha novamente para Nelin.
- Está muito boa essa comida.
- Ela não é só uma boa cozinheira,
possui muitas habilidades que surpreende até as matriarcas mais antigas – elogia
Ascat – Aprende rápido tudo o que lhe é ensinado.
- Você é muito gentil com as palavras
meu cunhado.
Enquanto limpa sem jeito a boca suja de molho, Ascat puxa conversa.
- Nelin só falta aprender a caçar.
Mas fale Ydegart! Não consegue mesmo lembrar nada do que lhe aconteceu?
- Não, por isso que gostaria de
partir. Sendo membro do povo amabis, certamente poderei encontrar respostas
para a minha falta de lembranças.
- Bom, pelo menos sabemos que você é
um mensageiro, trazia um convite.
- Um convite?
- Sim! Está com Tabu. Quem sabe você
possa se lembrar de algo ao vê-lo.
- Seria importante para mim.
- Um convite de casamento. Devemos
enviar um mensageiro manasis para nos representar e oferecer nossos presentes.
Diga-me, lembra apenas se é casado, tem uma companheira?
Nelin se dirige em direção à saída levando um cesto de frutos e o deixa
cair ao ouvir a pergunta de Ascat. Ela se abaixa para apanhá-los, Ydegart
também se abaixa para lhe oferecer ajuda. Sua mão encontra a de Nelin. Ela olha
para Ydegart no fundo de seus olhos, produzindo um efeito desconcertante. Seu
coração bate descompassado, inebriado pelo perfume que exala dos seus longos
cabelos.
- Obrigado, Ydegart. É este seu nome?
- Não é bem assim – sorrir tentando
se desvencilhar dos olhos de Nelin – Foi Julaia que escolheu, até eu lembrar o
verdadeiro.
- Gostei do nome – diz Nelin com
suavidade – Mas espero que recupere logo a sua memória.
- É o que mais quero, acredite.
- Vamos! Termine sua comida. Temos o
que fazer – Adianta Ascat, percebendo o ar romântico que envolve os dois.
- Para onde vão? – pergunta Nelin,
curiosa.
- Vamos à casa de Tabu, ele quer
olhar o nosso amigo aqui. E depois, se ele estiver em condições, poderá me
ajudar em cuidar dos mescas.
- Seria muito bom. Preciso me
exercitar, fazer algo para compensar a gentileza do seu povo.
- Não pense assim. Tenho certeza de
que os amabis fariam o mesmo. Precisamos trabalhar para sobreviver e também
organizar os preparativos para a festa.
- Festa? – Ydegart não tira os olhos
de Nelin.
- Sim, a festa da colheita! Já
esqueceu?
- Ah sim! A festa!
- Vocês não fazem festas?
- Não me lembro.
- Claro que não! – Sorrir Ascat,
pondo-lhe a mão no ombro – Vamos andando, temos que encontrar Tabu.
Ydegart acompanha Ascat e não resiste em olhar para trás, observando
Nelin. Ela também observa seus passos, enquanto fecha vagarosamente a cortina
de pele da entrada da casa.
No caminho, ouvem-se assovios de despedidas. Crianças correm eufóricas e
alegres.
- O que está havendo? – pergunta
Ydegart
- Alguém está partindo.
- Para onde?
- Ainda não sei, está na frente da
casa de Tabu. Vamos!
Ambos aceleram os passos a tempo de encontrarem Porfi, em seu galante
traje de mensageiro, montado em um robusto mesca. Ele recebe as últimas
instruções de Tabu. É a sua primeira missão como mensageiro.
- Então! Vamos aceitar o convite do
casamento dos amabis? – pergunta Ascat.
- Ainda não – responde Tabu – Vamos
tranqüilizar os amabis, que já devem estar preocupados com o não retorno do seu
mensageiro e do mesca.
Certia, o irmão de Tabu, se aproxima com uma mochila.
- O que é isto? – pergunta Porfi.
- É a roupa do nosso convidado.
Precisamos de uma prova da sua presença entre nós – explica Tabu.
- Infelizmente, não temos um nome,
mas as roupas e a sua descrição poderão confirmar que ele está sob os nossos
cuidados – completa Certia.
Ydegart se aproxima de Porfi.
- Muito obrigado mensageiro. Tenha
cuidado e boa sorte.
- Farei que seu povo e sua família
saibam do que aconteceu, vamos encontrar respostas do que houve realmente na
sua jornada até nós.
Certia, agora um ex-mensageiro do povo manasis, orienta Porfi:
- Siga pelas montanhas. É o caminho
mais próximo e provável que ele tenha feito. Estamos na temporada quente, os
túneis e grutas são visíveis e menos perigosos. A passagem para aldeia amabis é
larga e o vale que fica abaixo é grandioso e rico em frutos e água.
Tabu se aproxima discretamente de Porfi e lhe entrega um pedaço de tecido
enrolado e amarrado.
- Ache o velho Latem, entregue esta
mensagem. Tem recomendações para a sua estadia provisória nas montanhas – fala
em voz baixa.
Porfi não gosta muito da idéia em sua primeira missão de parar onde vive
Latem: O ermitão que vive nas montanhas e que ninguém conhece ao certo. Sua
vida é cercada de mistérios e lendas, poucos mensageiros e membros Manasis,
Amabis e Urus o conhecem. É de uma raça estranha, diferente dos povos até então
conhecidos no planeta, porém inofensivo. Ajudou a salvar muitos mensageiros e
andarilhos perdidos nas montanhas. Vive isolado numa caverna e fala pouco.
- Farei isso! – responde Porfi,
resignado da sua missão.
Encorajado pelos assovios, o mensageiro segue rápido, aproveitando a
luminosidade a seu favor. Ele precisava localizar os abrigos marcados, que
compõem cada fase da jornada e proteger-se das longas noites.
Tabu avalia a saúde de Ydegart e
o libera para ajudar Ascat em cuidar dos mescas. Durante os dias que sucedem,
Ydegart convive na casa de Ascat e Nelin. Suas forças estão restabelecidas. Nas
colheitas, o seu vigor físico e disposição, impressionam a todos que com ele
convive. Aprende rápido tudo que lhe é ensinado, fazendo adaptações e
resolvendo problemas com idéias inteligentes e práticas. Algumas vezes, ajuda
Tabu com os doentes, revelando-se um bom aprendiz com vocação médica. Tem
especial atenção das crianças e jovens, que lhe contam estórias e muitas vezes
lhe convida para correr entre os campos e atirar pedras em alvos parados, sua pontaria
é invejável.
Com o tempo, Ydegart torna-se mais do que um simples visitante, ganha a
afeição e confiança do povo manasis, que já ver com bons olhos a sua união com
Nelin. A matriarca Julaia, não perde a oportunidade de sugerir que eles se casem
no dia da festa da colheita e recebe do então amigo Ascat, a esperada
aceitação.
No entardecer de certo dia, Julaia costurava algumas peles e Nelin
adornava um bracelete, enquanto Ascat trazia alguns cestos pesados com
mantimentos para dentro de casa. Nelin sente a falta de Ydegart e pergunta para
Julaia onde ele está.
- Ascat pediu para ele conferir se
está tudo bem com os mescas. Foi ele que inventou a coberta do cercado, lembra?
- Esse bracelete que você fez está
muito bonito – admira Julaia.
- É meu presente de casamento para
ele – disse Nelin com felicidade.
- Qual será o presente que você
pedirá?
- Não sei ainda Julaia, talvez uma
viagem, assim que ele recuperar a memória.
- Uma viagem? As manasis não costumam
pedir viagens como presentes de casamento dos seus maridos.
- Mas é permitido, não é?
- Não vejo nada de mais – Julaia
sacode o ombro, indiferente.
- Você não disse a ele que fui eu que
dei a idéia de chamá-lo de Ydegart, disse?
- Claro que não! Eu teria um nome
melhor à altura de sua beleza.
- Quando conheci Domar, ele costumava
falar das lendas manasis. Dizia que um nobre manasis salvou seu povo de uma
tragédia vindo para estes campos, e ao retornar para enfrentar o inimigo,
perdeu o caminho de casa, vagando pelo mundo sem lembranças. Esse nobre
chamava-se “Ydegart”. Quando o mensageiro chegou, sem memória, achei que seria
bom para ele e para nós dar-lhe um nome importante, então, lembrei da lenda.
- É uma lenda triste, conheço bem.
Dizem que Ydegart ainda vaga pelos campos nas noites frias e escuras procurando
o caminho de volta para casa. Isso assusta as crianças, assim elas não se
arriscam a sair no entardecer e voltam logo para casa. Elas têm medo de
encontrar o Ydegart – Faz suspense Julaia, arrancando um sorriso de Nelin.
- Bom, sendo assim, vou procurar o
meu Ydegart. Não quero que ele se perca.
Ambas se divertem com o comentário, que chama atenção de Ascat, que lava
o rosto numa tina de pedra.
Mas o que Ydegart mais deseja, além de se casar com Nelin, é poder
recuperar a sua memória, no entanto, teme que suas recordações possam fazê-lo
se afastar dos manasis, na qual já sente pertencer. Pode ter perdido a memória,
mas tem uma forte impressão de que nuca havia sentido tanta felicidade.
- Será que com o meu povo, também sou
feliz? – Disse Ydegart pensativo, isolado num canto de cercado que abriga os
mescas, observando uma das fêmeas que aguarda o momento de parir.
Nelin se aproxima silenciosa e discreta. As noites longas já despontam
no horizonte. Eles se olham, e sem dizer uma palavra, se abraçam e se beijam
com desejo.
Enquanto isso, o mensageiro Porfi enfrenta dificuldades em seguir pela
trilha da montanha. O mesca se recusa teimoso diante da insistência do
mensageiro, que não consegue entender o comportamento do animal, pois os mescas
sempre seguiram tranqüilos por estes caminhos. Apesar do pouco tempo em que se
encontra na função de mensageiro, Porfi sabe, como todo manasis, que os mescas
só rejeitam um caminho quando percebe o perigo de um predador, o que
seguramente, todos sabem que não existe nas montanhas. A região fria, sem
vegetação e com fortes ventos, não oferece nenhum meio de sobrevivência para
tal ameaça, ao contrário dos pântanos, que durante gerações sempre foi evitado.
Antigamente era usada uma trilha longa para contornar as montanhas. Muitos
Manasis e outros povos desapareceram e nunca foram encontrados. Mas esse
pântano encontra-se distante, fora da rota de qualquer aldeia conhecida, e
nunca se avistou animais predadores.
Porfi entende também, que não adianta forçar o mesca. O melhor será
esperar mais uma noite em uma das cavernas de apoio e seguir por outra trilha
descendo uma parte baixa da montanha, onde existe um campo aberto e um pequeno
vale. Chegando lá, Porfi sabe que poderá repor as suas provisões de comida e
água. Essa investida lhe custará os dois dias de luz, se arriscando a chegar ao
Vale de Sez e a aldeia dos amabis no início da primeira noite.
Numa caverna fria e escura, o mensageiro encosta-se ao mesca que lhe
fornece calor. Saboreando uma pequena refeição, Porfi imagina que o
comportamento do animal fazia sentido, uma vez que o mensageiro dos amabis haveria
seguido por aquele caminho e que custou a vida de outro precioso mesca e
poderia também ameaçar a sua.
Essa possibilidade não demorou em encher a imaginação do jovem
mensageiro, e um medo real se apossou dele naquelas noites, além do que, tinha
que entregar outra mensagem para o ermitão, alguém que ele também tinha
receios.
Nos primeiros raios de luz, Porfi e o mesca seguem por uma trilha
alternativa. O animal se apresenta disposto e aliviado do mensageiro o ter
compreendido.
Enquanto desce a montanha, Porfi
observa nos campos, centenas de pontos brilhantes das gotas de orvalho nas folhas
das árvores, refletindo a luz do dia que inicia. Consegue finalmente, chegar ao
Vale de Sez no tempo previsto.
O mesca vocaliza diante da presença das ervas que lhe apetece os
sentidos. Porfi também se anima, e por alguns instantes, recolhe apenas a
quantidade de frutos e água suficientes para garantir sua chegada ao destino,
pois uma carga pesada demais atrasaria sua jornada e o faria padecer diante da
noite que já assinala sua aproximação.
Ele observa preocupado, centenas de seres alados que cortam o céu, os
anilos, que lembram os pequenos répteis voadores que há milhões de anos
habitaram o Planeta Terra, e que em bandos, se encontram e seguem para as
montanhas em busca de abrigo.
A aldeia dos amabis está próxima, tem certeza disso, mas não consegue
visualizar as fogueiras que já deveriam está acessas. Também é costume entre
todos os povos do Planeta Gir, de se deixar um vigilante próximo da aldeia o
suficiente para que se perceba, à distância, a chegada de algum visitante,
mensageiro ou mesmo de caçadores atrasados, sempre no início de cada noite.
Porfi faz sinal para o mesca vocalizar alto, anunciando a sua chegada, o
que prontamente deveria ser respondido pelos mescas dos amabis, o que não
aconteceu.
- Estranho. Nenhuma resposta? Nenhuma
fogueira? Onde está o vigilante? Ainda é cedo para ele voltar – fala Porfi em
boa voz, confiando que o mesca o entenda e lhe mostre um sinal.
Mas o mesca não se intimida com a falta de respostas dos da sua espécie.
Segue acelerado para a aldeia dos amabis, fazendo com que Porfi segure firme
nas rédeas. O sinal do mesca é óbvio, precisa de um abrigo rápido e guiando-se
pelo apurado olfato, chega a um cercado vazio e encontram a aldeia destruída.
A impressão de Porfi diante de um cenário desolador o faz se desesperar
gritando por ajuda. O mesca ofegante fica parado, pressentindo por instinto o
inevitável destino do mensageiro. Ele acompanha Porfi com o olhar durante um
bom tempo, e ver correr para todos os lados, sem encontrar nenhum amabis e
nenhum mesca. Ele se apressa em improvisar um abrigo que o mantenha vivo até a
chegada da próxima luz. Acende uma fogueira, o que lhe facilita enxergar melhor
o que procura e com uma tocha, encontra entre os destroços, peles de mescas,
alimentos, água, utensílios domésticos e agrícolas, equipamentos de caça e
remédios. Só não encontra nenhum amabis.
- Sumiram todos! Pelos deuses! O que
será que houve?
Porfi se aproxima do mesca trazendo-lhe alimento e água. Acaricia o
pescoço do animal que retribui com um grunhido triste.
- Vamos ter uma noite difícil meu
amigo. Não temos tempo de retornar a montanha e achar abrigo. Estamos nas mãos
dos deuses.
Com muito
esforço, Porfi e o mesca se ajudam para armar um abrigo com os restos dos
destroços, mas quando Porfi entra para testar, o mesmo desmorona causando um
ferimento leve em seu braço. Desolado, Porfi pensa que deveria liberar o mesca
de volta para casa, são animais resistentes ao frio rigoroso, sabem encontrar
abrigos durante a noite e possuem extraordinário senso de orientação. Mas também sabe que seria
difícil para ele sobreviver sem a presença do experiente animal.
Todos os povos do Planeta Gir criam mescas, são quase sagrados, e nunca
os matam para comer ou retirar-lhe as peles, apenas quando estes morrem de
causas naturais ou acidentais.
Nem todos os mescas são aconselháveis a atividade de acompanhar
mensageiros, com exceção da raça sud. Eles são considerados os mais fortes e inteligentes
para o adestramento e possui uma particularidade interessante em relação às
demais raças, seus longos pelos do pescoço que normalmente é cinza claro, passa
para um dourado brilhante. Essa mudança de tonalidade acontece quando a fêmea
parceira está prenhe. Quando o mensageiro retira do seu pescoço um colar que
identifica a aldeia manasis e põem no pescoço do animal por alguma necessidade
extrema, o mesca sabe o que significa e retorna para o cercado onde a fêmea e
suas crias se encontram. Os mescas da raça sud, podem depois retornar com
precisão ao local que foram liberados, trazendo ajuda. Por isso, são animais
raros e muito valorizados, um verdadeiro artigo de luxo para a aldeia que os
possui.
O vento frio chega com a noite, riscado pela luz dos pequenos meteoritos
que são comuns caírem no Planeta Gir. Porfi vislumbra os pontos medianos e
acinzentados da montanha se cobrindo de neblina. A ansiedade aumenta com a
incerteza de que estará vivo, quando a luz retornar ao Vale de Sez.
Numa atitude desesperada, Porfi abastece a fogueira com tudo o que possa
ser queimado e produzir calor. As labaredas de fogo podem ser vistas a grande
distância. Junta todas as peles possíveis e faz um amontoado, onde ele e o
mesca se acomodam e se cobrem com dificuldades.
Depois de algum tempo, onde o silêncio é quebrado apenas pelo sibilo do
vento e quando está preste a adormecer, Porfi percebe que o mesca não iniciou a
sua curta hibernação. O animal vocaliza baixo, identificando que algo chama a
sua atenção. Porfi sente medo de sair das cobertas, seu coração acelera,
sente-se impotente e desprotegido. O mesca se levanta e sai das cobertas para o
desespero de Porfi. Pequenos flocos de neve envolvem seus corpos e a fogueira
começa a arrefecer. O mesca adianta algumas passadas lentas em direção ao som,
inaudível para o mensageiro.
- O que houve? O que está lá?
O mesca sai lentamente de perto da luz da fogueira e penetra na
escuridão da noite. Porfi está só, não sabe se segue o mesca ou se volta para a
tenda, pois o frio domina o calor da fogueira. Mesmo assim, Porfi se esforça em
fazer uma tocha e segue também em passos lentos para onde o mesca seguiu.
O jovem mensageiro assovia chamando o mesca, e este responde deixando
evidente que está retornando. O vulto do animal se aproxima, e sobre ele,
alguém montado. O semblante de Porfi se enche de esperanças quando reconhece um
membro dos amabis.
- Um amabis?
- Reconheço um assovio manasis de
longe meu amigo! Seja bem-vindo a aldeia!
- Sou um mensageiro! Meu nome é Porfi
– grita ele, com a voz abafada pelos ruídos do vento.
- Meu nome é Camar! Sou o vigilante!
O amabis desmonta do mesca, faz um carinho no animal e sem receios
abraça Porfi.
- Graças aos deuses! Quando chegou
mensageiro?
- Pouco antes de escurecer. Os anilos
já voavam para a montanha. O que houve por aqui? Onde está seu povo?
- Não podemos ficar aqui! Morreremos
na certa! Eles ainda podem está por perto!
- De que está falando?
- Siga-me! Existe uma pequena gruta adiante!
Vamos amarrar as peles e mantimentos para o mesca arrastar!
Sem questionar, Porfi ajuda Camar em reunir a maior quantidade de
materiais possíveis que o mesca possa conduzir e seguem para um conglomerado de
pedras isolado no campo aberto. Ainda assustado e surpreso, Porfi se reconforta
ao entrar na pequena gruta, aquecida por uma pequena fogueira e guarnecida de
alimentos e água.
Um pouco mais velho do que Porfi, Camar ocupa uma função importante na
aldeia, o de vigilante. Na caverna, ele apenas indicava a Porfi onde encostar a
carga trazida da aldeia, enquanto apanhava duas tigelas para servir um caldo
quente.
Eles comem calados e pensativos, o único ruído vem da porta de pele
improvisada na entrada da gruta, abanada pelo vento. O mesca já havia se
acomodado na entrada na entrada, está imóvel, sem os arreios, deitado com o
pescoço estirado ao chão, distraindo-se com as sombras do mensageiro e do
vigilante, refletidas na parede pela luz da fogueira. O animal inicia sua curta
hibernação, economizando forças para quando a luz do dia retornar.
- Não acredito que esteja aqui.
Seguro – comenta Porfi.
- Também não acredito que tenho
companhias nesta noite. Faz muito tempo que me encontro confinado neste abrigo.
Não poderia sair para pedir ajuda, não chegaria a lugar nenhum sem montaria.
- Diga-me Camar. O que houve por aqui?
- Foi tudo muito rápido. Na noite em que as pedras caíram do céu,
ficamos assustados e nos recolhemos para nossos lares. Felizmente, nenhuma
delas atingiu nossa aldeia.
- Também vimos às pedras! Pensamos
que podiam ter caído nesta região.
- Felizmente não caíram em nós. Mas
algumas acertaram a montanha.
- A montanha?
- Sim. Houve muito barulho. Todos
estavam animados com o casamento que se aproximava e um mensageiro já havia
partido em direção a sua aldeia para entregar um convite.
- Recebemos o convite. E este é dos
motivos da minha jornada até aqui –interrompe Porfi – Mas o que aconteceu? Onde
estão os amabis?
- A luz do dia ainda não havia
chegado quando estávamos agradecendo aos deuses por nossa proteção, quando de
repente escutamos um som estranho, alto, parecido com o rolar de pedras da
montanha. Sombras escuras rodopiavam nossas casas. Pareciam anilos gigantes e
negros. Ficamos todos, cheios de pavor. Ninguém se movia.
Camar se cala por alguns segundos, sua mente revivia a traumática lembrança.
- Continue! – incentiva Porfi,
curioso.
- Essas feras começavam a destruir
tudo. Capturava cada um de nós e os poucos mescas que possuímos. Agarrava
rápido nosso povo, levando todos para cima, para o céu, não sei direito para
onde. Corri para os campos, sem destino e desesperado. Uma das feras desceu do
céu sobre mim, escapei por pouco e me atirei no chão caindo de um barranco. Fui
deslizando até em baixo, parando na beira do rio que fica aqui perto. Prendi a
respiração e mergulhei na água e lá fiquei até quase sufocar e morrer de frio.
Na outra margem, cheguei numa pequena cortina de água e consegui me esconder
atrás dela por um bom tempo. Quando finalmente tomei coragem, resolvi sair do
rio e percebi que não havia mais nada. Tudo estava destruído, não havia
ninguém. Eu estava trêmulo e confuso. Só pensava em me esconder. Costumava
visitar esta pequena gruta desde criança, usávamos para guardar alimentos e
remédios. Foi assim que me salvei – respira Camar, aliviado.
Porfi se levanta, anda em direção a parede do abrigo, olha para o mesca
e vê que o animal dorme profundamente. Pensativo, ele tenta descobrir se houve
alguma relação do ataque a aldeia amabis com o mensageiro sem lembranças que
chegou a sua aldeia.
Porfi retorna para perto de Camar e lhe mostra o convite recebido e
algumas roupas.
- Sim, é nosso convite. Reconheço
também estas roupas, é do nosso mensageiro, seu nome é Tiri. Esperto e rápido,
um pouco baixo, mas um dos melhores.
- Tiri?... Baixo? – indaga Porfi.
- Sim. Um pouco maior do que eu. Os
mensageiros amabis sempre são baixos e leves, não forçamos nossos mescas.
- Camar – interrompe Porfi - O
mensageiro que lá chegou não era baixo, pelo contrário, era alto e forte.
- Então não era Tiri. Tenho certeza
que não temos mensageiros assim. Os amabis mais fortes ficam nas colheitas,
trazem os grãos, constroem abrigos. Você deve saber que não usamos mensageiros
altos e pesados para os mescas.
Porfi volta a sentar-se, exausto, encostando-se num amontoado de peles
trazido da aldeia amabis. Sente o braço esquerdo doer com a lesão sofrida, na
tentativa de montar uma tenda. Seus pensamentos estão ainda mais confusos. Ao
perceber a fraqueza do mensageiro, Camar se aproxima.
- Você está ferido? Deixe-me ver.
Camar procura na gruta, uma cesta contendo artigos de primeiro socorros.
Inicia a limpeza do ferimento, desinfetando e fazendo um curativo.
- Foi um acidente. Estava tentando
levantar um abrigo. Não tive sorte, desmoronou com o vento.
- Teve sorte sim. O vento trouxe o
ruído até aqui, foi o que chamou minha atenção e me fez subir por uma fenda
para observar. Avistei a fogueira, você e o mesca, sabia que não eram inimigos.
Então usei o truque do gemido e o seu mesca veio ao socorro. Sem dúvida. É um
dos melhores que já vi. É um sud? Faz tempo que não vejo um desses.
- É verdade. Usamos os melhores
mescas para as viagens. E este é o preferido de Ascat, o adestrador.
- Tem notícias do mensageiro Certia?
- Esta bem de saúde, tanto ele como
seu irmão Tabu, são fortes. Estão sempre nos campos, colhendo grãos.
- Já recebi muitas vezes Certia em
minha casa e vigiei suas chegadas e partidas da aldeia. Ele é muito querido
entre o nosso povo, na verdade, todos os manasis são bem-vindos.
Camar tenta distrair Porfi, enquanto enfaixa o ferimento.
- Você conhece uma antiga lenda?
Ele conta que tantos os manasis, amabis e urus tiveram a mesma origem na
criação divina.
- Sabemos disso. Os antigos sempre
contam estas estórias, são as preferidas de Tabu. Eu acredito nelas! Pois somos
até iguais na aparência e nos costumes.
- O povo urus são um pouco diferente
apenas nos desenhos – observa Camar – Pronto! Terminei o curativo, seu
ferimento é leve, ficará bom logo. Vou fazer um chá de erva forte, vai ajudar.
- Não gosto de erva forte. É muito
amargo!
- Como queira. Então durma. Ficarei
vigiando o fogo e preparando a comida. Faremos turnos, tudo bem assim?
Resolveremos o que fazer mais tarde.
- Tudo bem – responde Porfi,
bocejando.
Uma fina camada de neve encobre todo Vale de Sez, durante horas, as
atividades na gruta são revezadas. No final da última noite, Porfi se aproxima
do mesca, observado seu despertar. O animal olha para o mensageiro e rumina
devagar. Camar se aproxima com uma tigela de água e oferece ao animal, que fica
de pé.
Porfi se levanta e segue para
apanhar os arreios, Camar o adverte.
- O que vai fazer?
- Preparar a montaria. Preciso
continuar minha jornada, a luz logo chegará.
- Para onde vai?
- Tenho outra missão.
- Pensei que mandaria o mesca de
volta para pedir ajuda? Ele está sud, retornará ao cercado de suas crias. Os
manasis saberão que algo deu errado virão até nós!
- Camar, não sabemos o que aconteceu
aqui. Não posso arriscar membros do meu povo. Além disso, as feras poderão
retornar. Cumpro apenas meu dever como mensageiro.
- Você tem outra mensagem? Para que
aldeia? A mais próxima é a dos urus e está longe. Não poderei ficar aqui por
mais tempo, a comida está acabando. Temos que ir para a sua aldeia urgente!
Precisamos avisar do perigo que eles também correm!
- Não é nenhuma aldeia. Tenho uma
mensagem para Latem.
- Latem? – os olhos de Camar se
arregalam de espanto.
- O que foi? Por que me olha assim?
- Você não passou por ele quando
chegou aqui?
- Não! O mesca resistiu em não
prosseguir pela trilha.
- Estranho? Quem mandou a mensagem?
Certia?
- Não, Tabu mandou. Também não gosto
da idéia de fazer isso. Tenho meus temores com Latem e...
- Então algo de muito estranho está
acontecendo – interrompe Camar – Diga-me, você conhece Latem?
- Não. É a minha primeira missão,
fiquei no lugar de Certia.
- Então a mensagem deveria ser de
Certia. É de costume, que o antigo mensageiro faça a recomendação do seu
substituto para Latem, que vigia a passagem da montanha e zela por nós.
- Você conhece Latem? – pergunta
Porfi, curioso.
- Estive com ele quando era muito
jovem, perto da sua idade agora. Fui com meu pai, Vazar. Encontrarmos-nos com
Tabu e Certia na montanha. O velho Latem enviou para eles uma mensagem por
sonho, dizia que era importante.
- Por sonho? E o que foi?
- Duas coisas. A primeira era para
avisar que havia uma nova e segura passagem aberta na montanha, que encurtava a
distancia entre os manasis, amabis e urus. Assim evitaríamos contornar o
pântano.
Porfi levanta o queixo com atenção.
- Qual era a segunda?
- Se algo estranho acontecer, eles
deveriam procurar Latem ou enviar uma mensagem.
- Estranho como?
- Pense Porfi. Pedras que nunca vimos
caíram do céu, nosso mensageiro Tiri não chegou à sua aldeia, seu mesca não
voltou, o mensageiro que levou o convite não é um dos nossos, feras voadoras
atacaram nosso povo e destruíram tudo. E agora, você me diz que seu mesca não
seguiu a trilha oposta e que Tabu enviou uma mensagem para Latem? Só isso para
mim é muito estranho.
- Menos o mesca do seu mensageiro.
- O que tem o nosso mesca de errado?
- Nada, nós o comemos. Estava morto e
congelado. Mas não se preocupe, já providenciamos outro mesca, um da raça sud,
como presente de casamento, é o que diz esta mensagem que ainda não entreguei a
nenhum amabis. Tome! É sua.
Porfi estende a mão entregando um pedaço de tecido com desenhos,
confirmando o que disse.
Camar olha a mensagem, balança a cabeça afirmativamente.
- Entendo Porfi, aqui diz também que
você é o novo mensageiro e tem uma recomendação de passe livre entre nós.
Acontece que esta mensagem também serve para apresentar ao velho Latem. Precisa
completar sua missão – Disse Camar com tristeza, achando que Porfi seguiria sem
ele.
- Mas essa não é a mensagem para
Latem.
Porfi retira outro tecido:
- Essa aqui é a outra mensagem.
Camar agora tem certeza de suas convicções. Sabe também, que não pode
impedir um mensageiro, mesmo achando que o certo seria voltar à aldeia manasis
e alertar do perigo que os ameaçam.
- Não faça essa cara! Você conhece
Latem e sabe onde ele vive. Isso é importante na minha missão, poderemos ir
juntos. Devo-lhe minha vida e não deixarei você aqui sozinho. Tem forças para
viajar?
Camar abre um sorriso, reconhecendo que apesar de jovem, Porfi possui
nobres qualidades que o fará um excelente mensageiro.
- Conheço o caminho daquele lado da
montanha. Se apressarmos os passos, chegaremos bem antes de anoitecer. Há muitos
frutos e água no caminho.
Porfi e Camar recolhem o máximo de alimentos e montam no mesca, seguindo
para a trilha da montanha. Durante o percurso, Porfi pede detalhes sobre Latem
e o que mais sabe sobre o que Tabu e Certia conversaram com ele. Camar
demonstrava sinceridade, dizia que não escutou a conversa na íntegra, que Latem
teve com Tabu, Certia e seu pai, no interior da caverna. Sabia apenas do
detalhe da conversa, que eles comentaram entre si ao descer a montanha: “Se
algo de estranho acontecer me avise”. Camar lembrava que eles ficaram
silenciosos durante toda a jornada. Pareciam tristes e preocupados.
- E seu pai? Também foi levado pelas
feras?
- Não, ele morreu faz muito tempo. Vive
agora em nossas lembranças e no mundo dos nossos ancestrais.
- O mundo que nos aguarda no futuro –
Disse Porfi – Você teve irmãos?
- Tenho uma irmã mais nova, Satera. É
casada com Jamor. Ele forja pedras nobres no fogo, fabrica lâminas para corte
de peles. São do povo urus. Costumo visitá-la nessa temporada mais quente.
Estava tudo preparado para a viagem, depois do casamento. Mas agora, não sei
mais. Temo também pela sua segurança – entristece Camar.
- Não fique assim. Ainda não sabemos
o que está acontecendo, pode ser que os urus e sua irmã estejam bem.
- Espero que sim, que os deuses nos
protejam.
Capítulo
2
O ENCONTRO COM LATEM
Em um dia de jornada, Porfi e Camar chegam à montanha no tempo previsto.
Desmontados do mesca, sobem outras trilhas por passagens estreitas, com
escarpas beirando um precipício, que só em olhar para baixo provoca
vertigens. Eles seguem tranqüilos,
admirando um vasto cânion e o mesca não impõe resistência, parece saber para
onde vai. Os paredões de rochas sedimentares de cor ocre ainda estavam mornos.
Os anilos ainda não foram vistos, o que é um bom sinal, ainda havia tempo para
continuar. Mas Porfi e Camar sabem bem, pela sutil baixa da temperatura, que a
noite se aproximava.
- É lá! – aponta Camar, para rochas
pontiagudas, simétricas, que de longe parecem abrigos em forma de tendas.
- Muito bem. Espero que você esteja
certo sobre Latem.
- Não se preocupe. Ele é um velho, um
pouco estranho, mas dizem que é muito sábio.
- Estranho como?
- Diferente, de outra raça.
- Outra raça?
- Sim, mas ele nunca nos fará mal,
ajudou muitos mensageiros durante as passagens pelas montanhas, inclusive
novatos como você – Camar deixa escapar um sorriso maroto que em nada ofende
Porfi.
Enquanto isso, na aldeia dos manasis, o vigilante Hile se aproxima de
Tabu.
- Algum sinal?
- Nenhum sinal.
O semblante de Tabu é de preocupação, a intuição insiste em lhe
confirmar que de fato, “algo de estranho aconteceu”. Ele segue a procura do seu
irmão Certia, que se encontra na companhia de Ascat. Querem saber se Ydegart
consegue lembrar-se dos ensinamentos de um mensageiro.
- Você aprende rápido muitas coisas
Ydegart. Têm idéias muitas boas, resolve muitos problemas na aldeia, mas é
muito estranho! Não lembra nada do seu ofício?
- Sinto muito Certia. Não queria
desapontá-los.
- Você não fez nada amigo, não fique
triste.
Tabu chega à casa de Ascat com Hile. Nelin os recebe e vai até uma jarra
servir um copo de bebida fermentada. Pelo o olhar de Tabu, Certia já sabe da
resposta. Ascat também percebe a situação, se levanta silencioso e vai encher o
copo, junto de Nelin.
- Ele é jovem, apesar de não ter
experiência, aprendeu bem o ofício. É um mensageiro de valor, sabemos disso –
Disse Hile, quebrando o silêncio.
- Ele não voltou? - pergunta Ydegart.
- Não! - responde Hile – Nem ele, nem
o mesca.
Ascat volta à mesa e pergunta para o experiente Certia o que pode ter
acontecido.
- Porfi conhece os sinais e os
caminhos. O mesca é experiente e inteligente, se harmonizaram bem. O que seria
de mais perigoso era seguir pelo caminho do pântano, mas mesmo que Porfi o
fizessem, o mesca não o faria. O ritmo da viagem permite chegar em segurança
aos abrigos e todos nós sabemos como isso é importante para a sobrevivência do
viajante. O que me surpreende, é que nenhum mensageiro amabis até agora
apareceu em busca do seu mensageiro.
Ydegart levanta a cabeça e olha para Certia, desviando em seguida o
olhar para Nelin.
- Precisamos enviar outro mensageiro
– diz Tabu
- Devemos esperar um pouco mais – aconselha
Certia – Conheço os amabis, são muito hospitaleiros. Ele deve está na casa de
Camar, que há muitos anos cumpre a função de vigilante. Porfi é jovem, é a sua
primeira missão, deve está empolgado com a beleza das amabis. Além disso, as
bebidas amabis são excelentes!
- Será que ele resolveu casar por lá
mesmo! – disse Hile, com graça.
Todos riem, com exceção de Tabu.
- Mas se for o caso. Enviaremos outro
mensageiro – continua Certia, percebendo que Tabu não estava bem.
Ydegart se levanta e apresenta-se como voluntário.
- Eu sou um mensageiro! Talvez não me
lembre do ofício, mas sei que um bom mesca sud pode me ajudar a chegar a minha
aldeia. A viagem pode me trazer recordações escondidas na minha memória. Estou
bem de saúde, sou forte. Sinto que é minha responsabilidade fazer isso, além do
mais, meu povo pode está precisando de mim.
Todos olham para Tabu, esperando uma resposta.
- A festa da colheita será nos
próximos dias e seu casamento com Nelin também. Se ela não se importar, aceito
a sua decisão de ser o mensageiro.
- Levarei Nelin comigo, assim
apresentarei ao meu povo.
- Pelo menos, sabemos que não é
casado. Não encontramos pulseira em seu braço – disse Hile, novamente – dizem
que as esposas amabis são muito ciumentas.
Risos ecoam na casa de Ascat.
Tabu se aproxima de Ydegart, toca em seu ombro e com voz firme toma a
sua decisão.
- Você poderá ir Ydegart, mas sem
Nelin. Sua missão, além de rever o seu povo, será de encontrar Porfi e
acompanhá-lo de volta. A presença de Nelin nesta jornada é arriscada, atrasaria
a sua viagem.
- Como queira. Aceito suas condições.
Tabu olha novamente para Certia e este compreendendo o irmão mais velho,
o segue para o lado de fora da aldeia em direção ao cercado dos mescas.
- Faz um bom tempo que percebo que
está diferente meu irmão. O que está havendo?
- Esperava que você também
percebesse.
- Sabemos que a função de um
mensageiro é arriscada. Mas não vejo ainda motivos para preocupação. Quantas
vezes eu já me atrasei em chegar à nossa aldeia?
- Não é só Porfi que me preocupa. Outras
coisas, aqui mesmo na aldeia, me fizeram tomar uma decisão extrema.
- Que decisão?
- Enviei uma mensagem para Latem.
Certia interrompe a caminhada e
se põem na frente do irmão.
- Mas como? O que você achou de
importante para incomodar o velho Latem?
Vivemos há muitas estações em paz.
- Certia meu irmão, escute-me. E não
diga nada a ninguém. Aquelas pedras que caíram do céu, nunca vimos daquele
jeito, não é normal. Depois um estrangeiro aparece no meio da nossa colheita
com uma mensagem de casamento dos amabis, sem se quer parecer com um deles. Ele
é mais alto e mais forte. Sabemos que o atual mensageiro dos amabis é Tiri. Não
havia nenhuma mensagem dos amabis apresentando um novo mensageiro, apenas um
convite de casamento. Quando me aproximei de Ydegart naquela manhã que o
achamos, notei que em seu pescoço não havia o colar dos amabis.
- Pode ter perdido!
- Ele aprende rápido demais tudo o
que lhe ensina e também resolve rápido todos os problemas com idéias boas.
Diga-me Certia, você já viu alguma tenda para proteger o cercado dos mescas
assim? Perfeita? – aponta Tabu para o cercado que está próximo.
- Não! Nunca vi. Mas ele pode ter
visto em suas longas jornadas, em outras regiões de Gir. Aprendeu a fazer, mas
não lembra como e quando.
- Quem de nós até agora, se destacou
em fazer, aprender e ensinar tarefas difíceis?
- Nelin.
- Você lembra do sotaque dele, assim
que chegou aqui?
- Pouco, talvez familiar. Mas foram
por alguns dias, poucas frases, estava debilitado. Não percebo nenhum sotaque
diferente, ele fala como um manasis.
- Exatamente! E por quê?
- Aprende rápido. É esforçado.
Tabu começa a ficar impaciente com a teimosia do irmão.
- Quando Domar trouxe Nelin para a
nossa aldeia, ela tinha o mesmo sotaque, que duraram poucas horas e logo falava
como uma manasis. Ela também aprendeu rápido. Existe pouca diferença nas
palavras e sotaques entre o manasis, amabis e urus. Todos bem diferentes e na
ocasião foram usados por Nelin e Ydegart inicialmente.
- Confesso que não tinha dado tanta
importância nestes detalhes. Se Nelin vivia próximo à região dos Urus, deveria
pelo menos falar algumas palavras comuns desse povo, que não são usadas por
nós.
- A mesma situação é válida para
Ydegart. Ele não parece um amabis.
- Começa a fazer sentido.
- Na verdade, nunca soubemos
realmente a origem de Nelin. Seus hábitos certamente não são dos urus. Vivia
sozinha e nunca nos interessou em conhecer de fato as suas origens.
- Não havia necessidade para isso,
além do que, essa desconfiança seria uma afronta para Domar, um manasis amado
pelo seu povo – comenta Certia.
- Diga-me meu irmão, além de Nelin e
Ydegart, de onde você lembra de ter escutado esse sotaque?
Certia olha fixamente para Tabu. Procura mentalmente em suas lembranças
antigas alguma referência e finalmente responde:
- Lembrei! Faz muito tempo, mas de
fato foi Latem a primeira vez que escutei esse sotaque.
- Boa memória! Inclusive, foi Vazar
do povo amabis, o primeiro entre nós a comentar essa diferença.
- Tem razão Tabu. Era o mesmo
sotaque.
- Sempre achamos que o sotaque de
Latem era normal. Todos os que conhecemos ao longo de nossas vidas tinham
sotaques diferentes ao falarem. Acontece também conosco, é natural, existem
dificuldades no aprendizado. Mas no caso de Latem, Nelin e Ydegart são
diferentes. Parece que eles falam a mesma língua, com o mesmo sotaque, com
palavras comuns e conhecidas entre os manasis, amabis e urus.
Certia cada vez mais fica mais curioso e lembra outro detalhe:
- Além de que, a aparência física de
Latem é muito diferente de Nelin e Ydegart. Eles não se conhecem! De onde vem
então esse sotaque?
Tabu põe a mão numa pequena bolsa e retira um colar e mostra ao irmão:
- O que é isso?
- Pegue e olhe com calma.
Certia se aproxima de uma fogueira, se abaixa e analisa o artefato:
- Pertence aos amabis, onde
encontrou?
- Num local distante, de onde se
encontrava o corpo do mensageiro amabis.
- Você voltou lá para procurar?
Sozinho?
- Não tinha certeza do que
encontraria, até que senti um cheiro diferente de animal. Notei que por onde
seguia o cheiro, era fora dos campos de trigo, vinha dos arbustos baixos que
estavam amassados. Era como se alguma coisa o tivesse pisoteado ou arrastado
por algum animal. Foi então que encontrei este colar, o mesmo que os
mensageiros usam e colocam nos mescas quando precisam de ajuda e colar não
estava nele. Você lembra que antes de achar o mesca morto, Ascat comentou que a
caçada havia sido um fracasso?
- Sim, foi estranho. Estamos entrando
na boa fase de caça, isso nunca aconteceu.
- Quando havia predadores, todos os
animais menores fugiam. Escondem-se, dificultando apreendê-los. E os únicos
predadores que existem nesta região, vivem nos pântanos e ninguém nunca mais os
viram.
- Mas, o que tudo isto tem haver com
Nelin?
- Quando fui à tenda no dia que
Ydegart foi levado para curar os seus ferimentos, Nelin já estava com ele, eu
não havia autorizado Nelin, e sim Julaia, que me convenceu que a deixasse ficar
um tempo com o estrangeiro. Disse que Nelin é muito dedicada e que deveria
praticar suas habilidades médicas. Prestei meus cuidados e ao sair, vi como
Nelin olhava para ele com especial interesse.
- Ela se apaixonou, interessou-se por
ele, isso é bom para ela.
- Até aceito essa possibilidade
Certia, ela vivia só com Ascat, é jovem e bela. Mas um pequeno detalhe me levou
naquele mesmo dia ao local onde encontramos Ydegart.
- No campo vermelho?
- No mesmo campo onde retiramos a
terra que fazemos a lama que cura as feridas. Longe do mesca, como se alguém o
tivesse colocado lá.
- Você acha que foi Nelin?
- Não acharia. Sabemos que elas não
vão para os campos de grãos, há muito que fazer nos seus ofícios na aldeia. Mas
o detalhe que eu havia visto, quase por acaso, estava nos calçados de Nelin. Os
solados estavam sujos de vermelho, com a mesma cor da terra, onde sabemos que
só existe naquele lugar. Olhei o suficiente para ter certeza e nunca mais a vi
usando esses mesmos calçados. Depois, encontrei-os já limpos na casa de Julaia,
que disse que havia ganhado de presente, dado por Nelin.
- O que fez Julaia para que Nelin lhe
desse um presente? – pergunta Certia.
- Não foi Julaia que deu o nome ao
estrangeiro de Ydegart, foi Nelin. Julaia faria qualquer coisa para ajudar na
felicidade da sua jovem amiga, a que lhe tem muito afeto como se fosse uma
filha.
- Como descobriu?
- Não descobri – disse Tabu, olhando
para os lados, certificando-se de que ninguém os ouvia – Julaia jamais daria um
nome para alguém de Ydegart, não seria bom para as crianças. O que felizmente
não aconteceu, pois ele se tornou um exemplo para elas, que também lhe dedicam
muita atenção.
Certia, diante de tantos argumentos, se deixa convencer de que Tabu
estava certo em enviar uma mensagem para Latem. E a possibilidade de que o
enigmático mensageiro de fato, venha a ser realmente o lendário Ydegart.
Há muito tempo que Tabu, Certia e Vazar, conheciam uma parte da verdadeira
origem dos seus povos que foi revelada por Latem.
- Precisamos ter certeza Certia. E
apenas Latem pode afirmar. Por isso que vou enviá-lo à montanha sem ele saber
do que se trata. A mensagem que Porfi levou, ainda não tinha outros detalhes
que foram aparecendo depois, aqui na aldeia.
- Entregará uma mensagem para
Ydegart?
- Ela já está desenhada e fechada. Na
primeira mensagem para Latem, havia dito que faria isso. Quando ele abrir,
saberá que enviei Ydegart.
Enquanto fala, um mesca se aproxima. Tabu com a mão sobre a cerca
acaricia o animal.
- Ele não desconfiará?
- Não, Certia. Acredito que ele ainda
esteja sem memória, não é dissimulado, como desconfio que Nelin seja. Apesar de
todos os mistérios, Ydegart aparenta ter um espírito nobre e bondoso. Farei que
siga pela trilha da montanha direto para a caverna de Latem e com sorte,
encontrará Porfi. Este mesca já se apresentou como voluntário. Peça a Ascat que
faça os preparativos da viagem.
- Tudo bem farei o que pede, mas
ainda não entendi. O que Nelin tem haver com tudo isso?
- Ainda não sei meu irmão. Mas vamos
descobrir, devemos observá-la com cuidado, ela é esperta e pode perceber. Nunca
estive a vontade com sua presença entre nós, apesar da sua beleza e do seu
jeito meigo e dedicado.
- É certo também, nunca havíamos tido
motivos para desconfiar dela, sempre prestativa e amável – lembra Certia.
Na casa de Ascat, Nelin se aproxima de Ydegart e o convida para passear
pela aldeia. Ele aceita e ambos saem abraçados para o lado oposto em que Tabu e
Certia seguiram.
- Ainda preocupado com a falta de
memória?
- Está me atormentado cada vez mais,
acho que vou enlouquecer. Faço um esforço para tentar me lembrar de algo mas
não consigo. Não sonho com nada, que não seja daqui da aldeia.
Nelin se compadece com a tristeza de Ydegart. Convida ele para sentar
sobre um banco de pedra baixo e fala com ternura.
- Ydegart, você vai ficar bom,
acredite.
- Você fala com tanta certeza.
- Tenho algo para lhe entregar, um
presente – Ela sorrir, retirando um objeto escondido nas vestes.
- Um bracelete? Muito bonito, é
diferente.
- Fui eu que fiz. Ponha no braço,
acho que acertei o tamanho do seu pulso.
- Perfeito! Obrigado.
- Alguém já lhe disse que é costume
entre os noivos manasis dar presentes?
- Não, ninguém falou, talvez por que
acham que eu saiba.
Ydegart pensativo olha para o bracelete:
- O que devo dar de presente para a
minha noiva?
Nelin faz um pequeno teatro, sorrindo e fazendo gestos de que não ainda
não sabe o que pedir.
- Conheço esse olhar.
- Quero fazer uma viagem com você.
- Uma viagem? Para onde? Não me
lembro de nada além dos limites da aldeia?
- Quando eu estava com o povo Urus,
ouvi falar de um ancião muito sábio. Ele vive em algum lugar daquelas
montanhas, seu nome é Latem. Tenho certeza que ele poderá trazer a sua memória
de volta.
- Mas nem Tabu que conhece a arte da
cura como ninguém, não sabe com fazer isso?
- Talvez ele não tenha aprendido e
ninguém na aldeia nunca tenha perdido a memória. Antes de vir para cá, conheci
histórias incríveis sobre este ancião. Tabu é muito bom no que faz, não há
dúvidas, mas não é sábio o suficiente para lhe curar. Quando você retornar
dessa missão, poderíamos procurar Latem e depois seguir numa viagem só nossa.
- Gostaria que fosse comigo nessa
missão, acharíamos Porfi juntos.
- Não Ydegart, Tabu está certo,
nenhum mensageiro costuma levar as suas esposas numa missão. Eles confiam em
você e sabe que poderá ajudar em saber o que houve com o atraso de Porfi. Esse
presente você poderá me dar depois, quando tudo estiver esclarecido.
- Você tem razão. Nosso casamento
está próximo, isso me faz feliz e confiante.
- Quero você de volta.
- Voltarei o mais rápido possível.
- Estarei aqui lhe esperando – sorrir
Nelin, beijando-lhe a face.
Na montanha, Porfi e Camar se aproximam da gruta onde mora Latem. Eles
sentem o cheiro de fumaça e observam uma luminosidade num pequeno platô. No
céu, centenas de anilos retornam ansiosos para seus abrigos.
- Uma fogueira! É um bom sinal! – alerta
Camar.
- Onde ele está? Como devemos chamá-lo?
- Você é um mensageiro manasis, deve
saber!
Porfi junta as mãos semi-abertas próximo à boca e faz um assovio longo e
decrescente, um típico chamado manasis quando se aproxima. Demora um pouco e
reinicia o assovio, mas sem sucesso, ninguém responde.
- Tem certeza que é aqui?
- Sim, tenho certeza, jamais esqueci
a imagem destas pedras pontiagudas.
- São pirâmides - disse uma voz firme
e grave.
Porfi e Camar olham para traz e se assustam. Observam a aproximação
súbita de um ancião de estranha aparência física, diferente de tudo que haviam
vistos. Tinha uma estatura mediana harmoniosa, saudável e vigoroso.
Superado o impacto inicial, tentavam comparar suas vestes, que em nada
lembrava as típicas peles e couro de mescas, no entanto parecia flexível e leve
como uma folha. Latem usava na verdade, um roupão de puro linho, confeccionado
com as fibras de uma planta inexistente no Planeta Gir.
Latem conduzia uma pequena cesta, contendo alguns arbustos, flores e
frutos típicos da montanha, raríssimos de serem encontrados. Ele passa direto
pelos dois viajantes e se aproxima do mesca, que vocaliza animado ao ver comida
na mão de um velho conhecido.
Latem põem a cesta no chão e o mesca come o que lhe é oferecido. Porfi, ainda timidamente, inicia uma
apresentação.
- Meu nome é Porfi, sou o novo
mensageiro dos manasis, procuro Latem.
O velho, acariciando o pescoço do mesca, olha para Porfi.
- O assovio manasis é bem vindo
nestas montanhas Porfi, eu sou quem procura.
- Este aqui é um vigilante dos amabis
seu nome é...
- Camar – interrompe Latem – Faz
muito tempo que esteve aqui com seu pai.
Camar olha para Latem com atenção, o reconhece facilmente, mas estava
confuso e curioso. Pelo tempo em que esteve na montanha com seu pai, ele deveria
está bem mais velho e tinha a mesma aparência de antes.
Porfi se aproxima respeitosamente e entrega a mensagem para Latem. Ao
abrir, ele balança levemente a cabeça, com se confirmasse algo que eles não
sabiam.
- Latem! Nosso povo foi atacado por feras
horríveis, apenas eu sobrevivi! – disse Camar, ansioso.
O ancião olha para os dois amigos:
- Sei do acontecido. Fico feliz de
vocês terem chegado até aqui.
- Latem, estou preocupado com o meu
povo, os manasis – revela Porfi.
Latem dobra a mensagem e os convida para entrar numa caverna.
- Devem está cansados da viagem.
Vamos, entrem! São meus convidados, no momento certo falarei com vocês sobre
essas coisas.
Porfi e Camar obedecem a Latem. Eles seguem o misterioso ancião, subindo
um pouco mais até a gruta e mais uma vez se surpreendem com duas chamas altas e
flamejantes de cada lado da entrada.
Ao entrarem uns cinco metros no interior da gruta, Porfi e Camar sentem
um agradável aroma de comida. Deparam-se com uma mesa de pedra, habilmente
entalhada e bem servida de alimentos e caldo quente.
O mesca entra na gruta e segue, como se já soubesse, para um lado
reservado, próximo a entrada. O animal deita-se tranqüilamente, iniciando um
sono profundo.
- Estão com fome? Podem comer a vontade!
Sem cerimônias, Porfi e Camar aceitam o convite, degustando com prazer,
o exótico jantar preparado por Latem. O anfitrião os acompanha na refeição
utilizando facas, colheres e garfos para manusear os alimentos, utensílios
estranhos para os convidados, com exceção das facas.
Porfi e Camar não abandonam o hábito, usam as mãos para comer. Os dois
viajantes chegam a sorrir felizes por tão grata recepção. Porfi se convence de
que os seus receios em relação a Latem eram exagerados. Ele observa a gruta com
curiosidade e sente um reconfortante bem estar.
Apesar do frio e das noites que se aproximam, rigoroso nestas paragens
da montanha, Porfi e Camar sentem um pouco de calor, desfazendo-se de algumas
vestes. Eles não vêem nenhuma fogueira, mas percebem que em algumas fissuras e
pontos das paredes da caverna, um ar quente se dissipa.
Latem se afasta dos viajantes, abre uma caixa e retira um pequeno
graveto, riscando-o na parede. Com o atrito, surge uma pequena chama, Porfi e
Camar recuam instintivamente, impressionados com o feito. Eles observam Latem
com a chama, acendendo alguns vasos espalhados nas paredes da gruta. Porfi não
resiste à curiosidade e pergunta:
- Agradeço a sua hospitalidade Latem,
sua comida é muito saborosa, de tempero desconhecido para nós.
- Obrigado, fico feliz de terem
apreciado.
- Vejo que não usa fogueira na
caverna.
- Faz muita fumaça, mancha as paredes
– responde Latem, esboçando um sorriso discreto.
- É quente aqui dentro e muito bom,
de onde vem?
- Do interior da montanha, é preciso
um pouco de calor para viver aqui.
- Esses vasos...não tem pedras de
fogo, como a chama fica acessa?
- Óleo – responde pacientemente Latem.
O ancião mostra um pouco da substância e acede pequenos pavios de fibra
vegetal em vasos rasos, repondo-os em seguida no alto da parede, usando uma
haste de metal.
- É bom para manter o fogo nas
tochas.
- Óleo? De onde vem?
- Destas sementes que estão nesse
cesto.
Porfi olha para a entrada da gruta, iluminada pelo que entendeu serem as
tochas que Latem havia comentado. Ele se aproxima de Camar, que havia terminado
a refeição e estava alheio as suas perguntas. Levemente, sacode o ombro do
amigo que visivelmente cansado da viagem, ensaia curtos cochilos.
Latem convida para seguirem para outro compartimento da gruta, próximo
de onde estão.
- Aqui vocês podem dormir tranqüilos,
estão seguros. Sei que muitas coisas nessa caverna parecem estranhas, mas não
se preocupem. Aqui tem uma jarra com água. Tenham uma boa noite.
Porfi e Camar se acomodam entre confortáveis e limpas peles de mescas,
doadas a Latem por antigos viajantes. Ao deitarem, percebem uma pequena
abertura no teto da gruta, tipo uma clarabóia, que areja o ambiente permitindo
entrada de luz e ventilação. Eles se distraem olhando uma parte do céu e as
estrelas. Escutando o zunir do vento frio da montanha, eles adormecem. Mas em
pouco tempo, ambos acordam apavorados.
- Porfi! Porfi!
- Estou aqui!
- Está ouvindo isso?
- Sim! Que barulho é esse?
- Não sei! Parece de animais! Não é
do vento!
Porfi se levanta, andando cauteloso e se apoiando pelo canto da parede
da gruta. De longe, observa o compartimento em que o mesca se encontra,
hibernando tranquilamente.
- O mesca está bem! Eles são rápidos
em perceber o perigo, mesmo dormindo, seus instintos são mais fortes – fala
Porfi, em voz baixa.
- É melhor você retornar! Latem disse
que coisas estranhas acontecem, disse que estamos seguros! Volte prá cá! – fala
Camar, gesticulando.
Os sons aumentaram de intensidade, os dois viajantes ficam mais próximos
entre as peles, aterrorizados.
- Parece alguém falando, brigando e
cantando ao mesmo tempo!
- Fique calmo Porfi, deite-se,
estamos na casa de Latem. Sempre escutei histórias estranhas dos mensageiros
sobre este lugar!
Porfi retorna para as peles.
Após alguns minutos de tensão, os viajantes escutam a voz de Latem.
- O que está havendo? – pergunta
Porfi, ainda assustado.
- Não sei. Parece que Latem também
escutou, disse alguma coisa.
- Parou! – disse Porfi, pondo
rapidamente a mão sobre o braço de Camar.
- Que bom. Graças aos deuses! Seja lá
o que for já foi embora.
Um agradável e suave cheiro de incenso emana da escadaria de onde Latem
se encontrava, fazendo os viajantes relaxarem e sentirem uma paz acolhedora. Um
pesado sono recai sobre Camar. Porfi ainda desconfiado resiste, mas aos poucos
se deixa dominar pelo cansaço, suas pálpebras pesam e num lento e último olhar
para a abertura do teto, vislumbra a sombra de um animal semelhante a um grande
lobo, de pelos negros azulados, sorrateiro, com passos silenciosos. Sua
respiração é percebida pela fumaça morna que sai de sua boca. O animal para,
observa Porfi com atenção, seus olhos reluzem com a pouca luz do ambiente.
Porfi está dominado pelo sono, não consegue sentir medo, nem reagir. Confia na
lembrança de Latem, onde escuta claramente sua voz na mente “não se preocupe
Porfi, está tudo bem”.
Em seus aposentos, Latem está recostado em um trono de pedra
confortavelmente recoberta de peles nobres. Ele acaricia um pequeno animal,
enquanto outros da mesma espécie circulam descontraídos e ativos. Envolvido em
pensamentos, Latem levanta-se decidido e segue para outro ponto da gruta,
descendo uma escadaria de pedra. Ele chega num salão largo, na qual possui no
centro um grande reservatório, raso e circular, com água cristalina, alimentada
por uma cachoeira subterrânea, que desce oculto da montanha.
Latem passa ao lado do reservatório e põem a mão na parede e esta abre
um pequeno nicho, contendo saliências luminosas com três combinações
simbólicas. Ele pressiona cada uma seqüencialmente, acendendo uma luz vermelha
no interior do nicho.
- Pronto! Está feito. Espero que
cheguem logo.
O nicho se fecha.
O pequeno animal se aproxima, encosta na perna de Latem que segue de
volta ao trono de pedra, tomando assento.
O tempo passa e um novo e agradável cheiro de comida desperta Porfi e
Camar. Eles se levantam demoradamente.
- Nunca dormi tão bem na vida – diz
Camar.
- Também não – confirma Porfi que
ainda sonolento olha para a clarabóia do teto – Camar! Olhe isso!
- Não pode ser?
Eles saem às pressas para fora da gruta e encontram um belo amanhecer.
- Já é dia? – surpreende-se Porfi.
Latem surgi por trás com um balde de madeira contendo água para o mesca
que já estava alimentado.
- Dormiram bem?
- Tivemos apenas uma noite? – pergunta
Camar.
- Na verdade duas.
- Dormimos duas noites seguidas? Mas
pareceu apenas uma noite? – indaga Porfi.
- Seria bom que sempre fosse assim,
não acha? – comenta Latem.
- Não entendo? Como isso é possível?
Dormimos como mescas? – disse Porfi.
Latem os observa com cuidado:
- Não gosto de noites longas. Mas
acalmem-se, vamos comer um pouco, vocês precisam está fortes para uma missão
importante.
- Que missão? – pergunta Camar.
- Explico tudo depois. Por aqui já
terminei, o mesca está pronto. Porfi me entregue agora o colar dos manasis.
Porfi dá um passo atrás, não concorda com o pedido de Latem.
- Não posso! Preciso dele! E minha
missão está concluída, preciso voltar para a aldeia, meu povo deve está
preocupado com a minha demora.
- Seu povo também está em perigo
Porfi.
- Como sabe?
- É uma longa história mensageiro. Os
manasis terão o mesmo destino dos amabis e urus. Preciso de toda ajuda
possível.
- O povo urus? Também foram atacados?
– pergunta Camar, aflito.
- Sim. E o mesmo acontecerá com os
manasis.
- Mas como? O que está acontecendo?
Preciso voltar! - Porfi se dirige em direção ao mesca.
Rapidamente Latem faz uma pergunta:
- Conhece a lenda do Ydegart?
Porfi reduz o ímpeto, para e olha para trás.
- Sim! Todos nós conhecemos um pouco,
mas o que tem haver com tudo isso?
- Muito mais do que imagina
mensageiro. O Ydegart voltou e com ele uma nuvem de sofrimento e desordem que
precisa ser resolvido.
- Preciso avisar meu povo!
- Se quer realmente ajudar seu povo,
terá que fazer do jeito certo.
Camar se aproxima de Porfi e olha para Latem:
- Mas Latem! Como faremos isso? Nosso
povo sempre lhe foi grato, nossos ancestrais aprenderam muito com os seus
ensinamentos. Muitos mensageiros foram salvos e protegidos por você. Estamos
assustados e confusos, você nos pede uma confiança, mas não sabemos que...
- Confie nele Camar! – surgi uma voz
da gruta, os viajantes olham para trás.
- Tiri! – surpreende-se Camar.
Ainda se apoiando num cajado, o mensageiro dos amabis se aproxima.
- Você está vivo!
- Sim Camar. Latem me salvou. Confie
nele, é sábio e fala a verdade. Estamos todos em perigo.
- Mas! O que aconteceu mensageiro? –
pergunta Porfi reconhecendo-o.
- Na noite em que as pedras caíram do
céu, eu estava abrigado na última gruta na descida da montanha. Havia saído um
pouco antes da luz chegar. Ao passar pelo lago no Vale do Sial, na trilha da
aldeia, fui capturado por uma fera voadora, parecia um grande anilo negro. O mesca
conseguiu fugir, nunca vi um animal correr tão rápido. Fui erguido às alturas e
depois me soltaram a alguns metros do chão, acho que desmaiei, não lembro ao
certo, foi tudo muito rápido.
- E onde você estava? – pergunta
Camar.
- Acordei novamente voando alto, nas
garras do animal, sem minhas vestes. Estava sendo levado para o outro lado da
montanha, quando a fera foi ferida por uma alguma coisa e gritou enlouquecida.
Ela foi perdendo forças, senti que me largaria no abismo por onde seguia.
Segurei firme em suas patas escorregadias e ao passar perto das pedras da
montanha pulei. A fera caiu mais adiante, parecia morta, tinha algo espetado em
seu pescoço.
- Um dardo– completa Latem.
- Dardo?
- Sim Porfi, uma arma de sopro
simples e antiga, mas eficiente. A fera não está morta, apenas dormiu por
algumas horas, o dardo é de uma ponta de espinho de planta venenosa que
paralisa o corpo.
- Uma arma? – surpreende-se Camar.
Latem anda alguns passos e senta numa pedra:
- Fui avisado. Que uma dessas feras
havia capturado um mensageiro, felizmente cheguei a tempo para impedir que
fosse levado até o destino errado.
Porfi insiste em respostas:
- Mas quem avisou?
- Um amigo. Seu nome é Seth.
- Seth? De que aldeia?
- Uma aldeia muito antiga, não é
deste mundo.
Porfi, Camar e Tiri se entreolham
atônitos.
- Mensageiro! – repete Tiri – Seu
povo também está em perigo, confie em Latem, ele sabe o que faz!
- Você disse que estava sem suas
vestes, são estas? – Porfi retira uma vestimenta de um bornal.
- Sim! São minhas! Onde achou?
- Estava com um mensageiro perto da
nossa aldeia, depois dos campos. Com ele achamos esta mensagem, um convite de
casamento dos amabis.
Tiri observa com cuidado a mensagem e confirma que também lhe pertencia.
- Era esta a mensagem que eu levaria
para Certia tenho certeza! Qual era o nome do mensageiro?
- Não sabemos, estava sem lembranças.
Minha missão era seguir até a aldeia amabis e descobrir quem ele era. Deveria
avisar a sua família que ele estava sob os nossos cuidados.
- O que aconteceu com ele?
- Estava se recuperando no momento em
que eu partia para essa missão. Ele parecia confuso.
- Não tinha outro mensageiro, Camar
pode confirmar isso, eu sou o único.
- Ele já confirmou. Depois de chegar
à aldeia dos amabis eu teria que vir até aqui, entregar outra mensagem para
Latem.
- A mensagem que você trouxe é de
Certia, ele diz que seu povo está com problemas e que algo de estranho
aconteceu.
Porfi olha para Camar e lembra-se da história por ele contada a respeito
dessa frase “algo de estranho aconteceu”.
- Mas se meu povo está em perigo, por
que temos que devolver o mesca? Se ele chegar apenas com o colar, pensarão que
eu estou em perigo, que preciso de ajuda e enviarão outro mensageiro até aqui.
Latem se levanta em direção a Porfi:
- E nós precisamos de ajuda sim.
Acredite nisso. Vamos meu jovem, entregue o colar. Preciso liberar o mesca o
mais rápido possível, sua jornada será difícil.
Porfi retira devagar o colar e ele mesmo põe sobre o pescoço do mesca,
executando um assovio de lamúria. O mesca vocaliza alto e parte em disparada
pela trilha, em direção da aldeia dos manasis.
- Ele não quis vir por esse caminho
antes.
- Eu sei Porfi. Não poderia vir por
essa trilha, deveria seguir pelos campos até a aldeia amabis e passar na volta
por aqui, pelo outro lado da montanha.
- Mas como fez isso? A subida da trilha
está distante.
- Não fiz, Seth é que fez. Vamos
comer, precisamos de forças para aproveitar a luz do dia.
Ao entrarem na gruta, logo se distraem com a visão da comida, colorida e
aromática.
- Não estamos acostumados com essa
comida – disse Porfi.
Latem olha para Porfi:
- Posso providenciar outro alimento
se preferir.
- Não queria ofender, quis dizer que
nunca comi nada assim, estes frutos? São da montanha? De outros campos?
- Sim, de outros campos. Mas de um
lugar distante que conheci antes de viver nessa montanha. Esses frutos e
sementes eram abundantes e muito apreciados pelos seus nativos. Existe um
pequeno vale aqui perto, entre as montanhas, onde cultivo estes frutos. Isso
aqui se chama pão, é feito com uma farinha chamada tjeret. Aqui tem um pouco de
figos secos, passas, carne seca com ervas, raiz de chufa e frutos chamados de
tâmaras. Com este fruto, prepara-se esta bebida, a seremet. Mas cuidado! Bebam
pouco se não ficarão tontos.
- Tudo isso é novo para nós – disse
Camar – Mas é muito bom. Gosto de comida e de prepará-las.
Latem balança a cabeça sorrindo e afirmando o comentário de Camar.
- Sei que tudo isso é novidade – inicia
Latem – Mas tentarei explicar aos poucos para que possam entender e me ajudar.
O ancião bebe um gole de seremet, um tipo de cerveja de fabricação
rústica.
- Latem, na noite em que dormimos,
escutamos barulhos horríveis, pareciam animais duelando, o que são? – pergunta
Porfi.
- Gatos. São pequenos animais – sorrir
Latem – Gosto deles, me fazem companhia quando Seth não está por perto.
- Gatos? Nunca ouvi falar desse
animal? Como são? – pergunta Camar.
Tiri responde a pergunta:
- São pequenos e muito interessantes,
um tipo diferente de dromis, são mais delicados e inofensivos.
- Dromis? Eles ainda existem? – pergunta
Camar.
- Um grande grupo ainda vivem do outro
lado da montanha – responde Latem – Eles têm dificuldades para atravessarem o
rio e o precipício que os conduziriam até aqui.
- Não gosto de dromis! Apesar de
nunca ter visto um, apenas nos desenhos. Diga-me Tiri, você já viu estes...
gatos?
- Sim Porfi. Não fazem mal nenhum,
quer dizer, às vezes fazem algum barulho quando não se entendem, mas obedecem a
Latem. As fêmeas de gatos quando estão no cio provocam brigas entre os machos e
quando alguns deles ganham a disputa pela fêmea, tem outro trabalho para
possuí-las.
Porfi e Camar se esforçam para não sorrir, lembrando do susto que
tiveram na primeira noite.
- De onde os trouxe, são considerados
animais sagrados – informa Latem.
- E onde estão os gatos? – pergunta
Camar.
- Dormindo. Gostam muito de dormir e
durante a noite estão espertos. Então vão caçar os filhotes dos anilos. Algumas
vezes aparecem de dia, curiosos com alguma movimentação aqui fora.
- Gosta de animais? Isso é um bom
sinal – disse Camar.
- Tenho admiração por alguns deles,
são espertos e percebem coisas que nós não vemos. Os dromis têm pavor de gatos
e apesar de grandes e fortes, são rápidos como eles. Mas a cabeça de um dromi é
diferente, são cobertas por uma pele formando um tipo de aba atrás das orelhas
que são largas e duras, apurando a sua audição.
- Seth também é um animal? – pergunta
Porfi – Quando eu estava adormecendo, vi uma criatura estranha e grande me
olhando pelo buraco do teto e não foi sonho, nunca vi nada parecido nem escutei
em nossas histórias, seus olhos eram grandes e em brasas.
- Foi Seth com certeza. Ele foi
conferir se vocês estavam bem, já os conhece.
Camar acha estranho:
- Nos conhece?
- Desde o momento em que subiram a
montanha, Seth observava de perto a sua jornada até aqui.
- Mas o mesca não percebeu nada – comenta
Porfi.
- Este e muitos mescas de mensageiros
que passaram por aqui já conhecem Seth. Sabem que não é uma ameaça, ao
contrário, é um amigo e guardião desse lado da montanha.
- Muito interessante. Mas acho que os
mensageiros deveriam saber disso – Sussurra Porfi.
Latem tenta ser o mais discreto possível:
- Seth ajuda na proteção dos
mensageiros e dos mescas, é também é um vigilante como você Camar. Mas Seth,
apesar da sua aparência assustadora para alguns, é um fiel aliado e conhece bem
este mundo de Gir. Não me parecia justo que um mensageiro se deparasse com ele,
seria desnecessário.
- Então Seth não é um animal?
- De um jeito ou de outro, todos nós
somos animais Porfi. Conhecerão Seth em breve. De onde vim, trouxe outras
criaturas, mas estas são mais perigosas.
- Perigosos? Outros? – pergunta Tiri,
achando que já sabia de todas as criações de Latem.
- São crocodilos e estão logo abaixo,
vivem no grande rio deste lado da montanha – aponta Latem - São animais grandes
e rastejantes de boca comprida e dentes poderosos. São solitários na maior
parte da vida, mas sempre ficam juntos nos locais onde tem mais alimentos. Um
adulto é extremamente forte e agressivo, seu couro é grosso e o protege de
qualquer ataque, seu único ponto fraco são os olhos, mas a noite são como os
gatos, enxergam no escuro. Podem não ser vistos no rio, por que conseguem
passar muito tempo debaixo d’água.
- Então são eles que devoravam nossos
mensageiros e caçadores? – pergunta Camar.
- Não! Comem os predadores que
matavam vocês, os dromis. Seth e eu sempre evitamos que os predadores dromis
chegassem até aqui e atingisse o pacífico vale. Seria impossível um mensageiro
sobreviver, seus povos e mescas seriam devorados como antigamente, quando
tentavam explorar novos caminhos do outro lado da montanha e nos pântanos. Os
dromis caçam em grandes grupos, são rápidos, fortes e não temem o fogo. E para
chegar aqui os dromis precisam passar pelo rio. Mas antes, existia uma trilha
fácil, que eles conseguiam chegar dando pulos extraordinários de uma rocha para
outra, numa parte estreita do precipício. Felizmente, outras e antigas pedras
que caíram do céu destruíram essas passagens, dificultando o trabalho dos
dromis.
- Então, esses...cro...co.. – soletra
Porfi.
- Crocodilos – repete Latem.
- Croco...dilos! Nunca atacaram nosso
povo?
Latem responde não querendo revelar detalhes do seu controle sobre os
animais
- Não. Acho que não gostariam do
sabor.
Tiri deixa escapar um sorriso.
- Nosso povo nunca poderia passar pelos
crocodilos e se tentassem saberiam do perigo que os esperavam na água. Não
arriscariam suas vidas nem mesmo para caçá-los.
- É verdade – disse Latem – O rio é
muito longe de suas aldeias que possuem lagos, terras férteis e animais
pequenos e inofensivos para caça. Alguns crocodilos seguiram para o pântano,
que ainda era uma trilha onde uns poucos dromis apareciam. Não tiveram sorte,
sempre eram mortos. Mas, se alguns desses dromis chegavam a encontrar um
caçador ou mensageiro desavisado seu fim será triste. Os dromis são as
legítimas criaturas desse mundo, querem retomar seu antigo território de caça
onde vivem os numerosos mescas. Eles escalam as pedras com muita habilidade
evitando cair no rio, são resistentes ao frio das noites e podem passar muito
tempo sem comer.
- Não se sente inseguro, sozinho
nesta montanha? – pergunta Camar.
- Um pouco solitário às vezes.
Descobri uma passagem segura para os mensageiros pela montanha, encurtando suas
jornadas entre as aldeias. Assim recebo visitas, notícias e alguns presentes,
isto me alegra.
- Muitos de nós temos medo de você, das
histórias dessa montanha – revela Porfi.
- É natural mensageiro. Tenho hábitos
discretos e não participo diretamente da vida dos povos desses vales, apenas
tento ser útil aqui onde vivo.
- Mas qual aldeia você pertence? Você
diz que não é daqui?
- Não pertenço a nenhuma aldeia. A
minha aparência humana poderia incomodar. – Diz Latem, enquanto afasta uma
mecha de cabelo grisalho da testa.
- Humana?
- Sim humana. Uma raça distante e
desconhecida de vocês. Por isso a nossa aparência é diferente e também não é
vista em seus desenhos.
Porfi se preocupa com outras ameaças:
- Algum dromis já chegou até aqui?
- Sim algumas vezes, eram muito
ousados, tentavam nos atacar, descobrir nossas fraquezas e surpreender-nos. Mas
Seth fez bem o seu trabalho, marcou o território eliminando alguns deles e os
crocodilos também ajudaram. Os dromis agora estão bastante reduzidos. Uma parte
seguiu para outras regiões, o que não os deixam menos perigosos, é claro.
- Não consigo imaginar como trouxe do
seu... outro mundo, esses croco...dilos para cá – disse Camar.
- Trouxe poucos ovos, nasceram
pequenos, filhotes adoráveis. Criava-os em um reservatório próximo aos meus
aposentos. Mas, para alívio dos gatos, um volume maior de água vindo da
cachoeira, os levou para uma fenda na parede da gruta. Os filhotes viajaram por
quase toda a montanha caindo no rio. Vi que era bom para eles, tinha muito
espaço, comida farta e protegeria aquele acesso pelas montanhas. Depois se
reproduziram e cresceram mais do que deveriam, se deram bem nesse lugar e me
convenci que seriam úteis na proteção na parte baixa da montanha. Sempre vou
visitá-los, todos eles me conhecem.
- Fez tudo isto para nos proteger? –
pergunta Porfi.
- Sim! Fazia parte de um pacto.
- Um pacto? Com quem?
- Com Ydegart – responde Tiri,
poupando Latem.
Latem caminha e pondo a mão no ombro de Tiri continua as suas
explicações:
- Existem muitas lendas e versões,
uma delas diz que Ydegart salvou seu povo da tirania de um ser poderoso que
pretendia escravizá-los. Em troca, deveria servi-lo por toda a eternidade, até
dominar as estrelas, que chamo de universo. Ydegart trouxe a sua família e uma
pequena parte de outros povos amigos para este mundo, desaparecendo depois,
misteriosamente.
- É lenda ou verdade? – pergunta
Porfi, curioso.
- É verdade. O ser poderoso que
dominava os tiranos de seu povo chama-se Viga.
- Viga? Nunca ouvimos falar. É uma
deusa?
- Alguns a chamam assim. O que seus
ancestrais não disseram, é que Ydegart confiou seu segredo a poucos amigos e
parentes, que se tornaram guardiões de alguns conhecimentos. Com o tempo, as
histórias sobre Ydegart foram se misturando, virando contos e lendas.
- E o que aconteceu com ele?
- Bem Porfi. Nunca mais foi visto e
durante muito tempo, seu povo espera o seu regresso. Ydegart disse: “O
pensamento me trará de volta”.
Camar interrompe Latem:
- Onde está Ydegart?
- Na aldeia dos manasis, ele é o
mensageiro “sem lembranças!” O Ydegart voltou na noite em que as pedras caíram
do céu. Eu sabia que a sua volta chegaria em torno de muitos acontecimentos
estranhos, por menores que fossem. Então, criamos uma aliança secreta com os
manasis, amabis e urus, para ficar atento ao que seria de “estranho” e que
pudesse anunciar a volta de Ydegart. Infelizmente, no passado, devido à
partilha de terras, água e caça, alguns grupos rebeldes não conseguiram manter
os povos irmãos unidos, havendo guerras e mortes durante muito tempo.
- Como sabe de tudo isso sobre o
nosso povo?
- Também escutei muitas histórias e
lhe garanto que as que conto são verdadeiras.
- Não consigo imaginar nossas aldeias
em guerra – disse Porfi.
- Mas isso faz muito tempo, jovem
mensageiro. Até quando, algo de extraordinário aconteceu.
- O que aconteceu? – pergunta Camar,
atento.
- Os três povos unidos, conseguiram
vencer os rebeldes e a paz se estabeleceu. As suas armas de guerra não foram
mais fabricadas e durante gerações, os mais velhos se encarregaram de apagar
esse conhecimento, nunca mais houve conflitos.
- Conheço essa história. Os manasis, amabis
e urus se uniram, sempre fomos bons
vizinhos - disse Porfi.
Latem volta a sentar na pedra e pede a atenção:
- O que eu vou dizer a vocês é muito
importante e verdadeiro. Ydegart e seu povo correm perigo. Aqueles que servem
Viga retornaram para se vingar e vamos precisar de ajuda.
- Então tudo isso é mais sério do que
eu pensava!
- Sim Tiri. Muito mais sério.
- Eles possuem armas? São dardos?
- Não, Camar – sorrir Latem, com
sabedoria – Armas muito mais poderosas do que você possa imaginar.
Porfi quer saber como ele dormiu tanto e Latem responde com sinceridade:
- Usei um incenso de kyphi, uma
fumaça de ervas medicinais. De onde estive, foi muito usado em cerimônias
religiosas para dormir, acalmar e trazer bons sonhos. Cheguei a entregar
algumas ao seu povo, ensinei a cultivar.
- Já vi Certia usando algumas vezes,
mas nunca imaginei que poderia fazer isso.
- Os amabis e urus também usam.Vocês
descendem de um único povo assim como antigos inimigos que viviam do outro lado
desse mundo. Todos vieram da mesma região de estrelas. Ydegart é seu ancestral
comum, o mais antigo. Os manasis, amabis e urus são a sua família mais próxima.
- Ydegart está de volta e viemos de
outro mundo? – Disse Porfi, surpreso e pensativo.
- Não entendo. Como se pode viver
tanto? – Indaga Camar.
- Há muitas coisas difíceis de
explicar agora, vigilante.
- Imaginava que você estaria mais
velho. Como também consegue vencer o tempo? A morte?
- É uma longa história meus amigos.
Será difícil de ser explicado. Mas vocês poderão conhecer mais de suas origens
pelos desenhos, sigam-me! Tenho que mostrar algo para vocês.
Todos descem para o outro lado do platô, no caminho das pedras de pontas
que Latem chama de pirâmides. O vento é forte e ruidoso. A paisagem dos vales
baixos ainda está coberta de nuvens, que vistas daquele ponto da montanha,
revela raras belezas de cores do Planeta Gir. No céu, chiados de anilos, que
voam em direção aos campos para se alimentarem, aproveitando a luz que se
inicia. Ao entrarem em uma nova câmara, em outra gruta, Latem risca uma pedra
produzindo fogo e acende alguns pavios de vasos com óleo inflamável. Quando a
gruta se ilumina, todos ficam impressionados com os desenhos coloridos. São
histórias de outros mundos e do Planeta Gir, o sacrifício de Ydegart pelo seu
povo e as guerras entre as aldeias. Porfi, Camar e Tiri, não sentem nenhuma
dificuldade em compreender um pouco das suas origens diante de todo aquele
grafismo espalhados por vários metros de parede.
- Nossa história, desenhada nas
pedras. Então é verdade! Não somos deste mundo? – disse Porfi.
- Não mensageiro. Nenhum de nós – completa
Latem, com melancolia – Tomamos este mundo emprestado, somos fugitivos do nosso
verdadeiro mundo.
- Você também?
- Sim Tiri, é nessa condição que
agora me encontro. De um lugar ainda mais distante e desconhecido. Mas antes de
vir para cá, cheguei a viver em um planeta, muito bonito e maior que este, que
chamariam depois de Planeta Terra.
- E onde está seu povo? Seu mundo?
- Estamos tentando retornar para ele.
- Estamos? Há mais do seu povo
vivendo aqui?
- Não aqui, mais espalhados por este
céu. Mas o que importa agora é achar seu povo e os demais, protegê-los como
sempre fizemos. O mesca retornará em breve trazendo Ydegart, ele sim, poderá
fazer muito por nós. A sua missão é árdua e ainda não terminou.
- Ydegart virá aqui? – pergunta
Porfi.
- Sim, mas nem ele mesmo tem
consciência ainda de quem é. Serei eu que o farei lembrar. Será arriscado, não saberei
ao certo de como reagirá. Sua mente está bloqueada com lembranças sombrias e
cruéis que lhe envenenaram o espírito. Mas por enquanto, é a nossa única esperança
contra o domínio de Viga.
- Continuamos assustados e surpresos
com tudo isso – disse Porfi, enquanto toca os desenhos com cautela e suavidade
– Como poderemos ajudar? Somos fracos, não usamos armas, não somos violentos?
Latem responde com altivez.
- Mas amam seu povo. Conhecerá a
coragem adormecida em seu ser, uma sagrada herança dos seus antepassados.
- O que precisamos fazer? – pergunta
Tiri, ansioso.
- Enquanto Ydegart não chegar, vou
ensinar vocês a usar algumas armas, precisam aprender a se defender e atacar.
- Usar armas?
- Se necessário, sim! Vocês querem
ser devorados por gruns e dromis?
- Não! Claro que não! Aceitamos o seu
ensinamento.
Camar fica triste lembrando do seu povo. Latem percebe:
- Não tema amigos. Os gruns não
comeram suas famílias e amigos. Suas ordens são apenas para capturar.
Olhando para Latem com um pouco de esperança Camar pergunta:
- Com pode ter certeza disso?
- Encontraríamos suas vísceras. Agora
todos devem se esforçar em pouco tempo, para aprender a usar as armas
corretamente. Mas existe também, uma arma muito poderosa.
- Qual seria? – pergunta Tiri.
- Conhecer a fraqueza do seu inimigo.
É preciso mais do que armas e coragem para enfrentá-los, é preciso sabedoria e
paciência.
- Ensinará tudo isso para nós?
- O suficiente para a missão, mais
antes precisam conhecer alguns aliados.
Porfi continua concentrado, interpretando os desenhos na parede. Ele
fica parado diante de um cenário, onde um dromis gigante está montando guarda
na frente de uma pirâmide muito alta.
- Latem! O que significa isto? Você
disse que os dromis são inimigos, mas se entendi estes desenhos, aparecem como
aliados?
- Você é muito observador mensageiro.
Houve uma época, que este mundo era habitado por muitas raças de dromis. Seu
criador era um deus, chamado Snefru. Era amigo de outro deus, chamado de Rá. O
Deus Snefru havia terminado a sua obra de criação e partiria para junto dos
seus semelhantes, que fica onde as estrelas seguem. Antes de partir, o Deus Rá
convenceu o seu amigo para acompanhá-lo num lugar distante nas estrelas, onde
ele havia deixado um sinal de sua presença para outra deusa realizar suas
criações. Chegaram a outro mundo e Snefru ficou deslumbrado com o que
encontrou.
- O que esse deus viu? – pergunta
Camar.
- Criaturas extraordinárias, um mundo
cheio de beleza e riquezas, com muitos animais, plantas, rios e lagos.
Encontrou povos diferentes e muito criativos. Faziam desenhos parecidos com
estes na sua frente.
- E o que aconteceu?
- Snefru ficou muito feliz com a obra
da filha de Rá e durante muito tempo, tomou a forma desse povo e viveu entre
eles. Mas Snefru tinha que seguir sua viagem, não poderia mais adiar. Antes de
partir, ensinou para esse e outros povos, a esculpir pirâmides em rochas e
explicando que elas traziam forças das estrelas e dos deuses. Nessas pirâmides,
Snefru poderia mesmo quando partisse, mostrar de onde estivesse, imagens e
mensagens para alguns preferidos que se chamavam sacerdotes. Foi então, que
Snefru lhes revelou uma parte da sua natureza divina, confirmando apenas o que
eles já desconfiavam. Os sacerdotes eram os anciões dessas aldeias.
- Como Certia é para os manasis? –
diz Tiri.
- Sim, pode ser um bom exemplo. O
Deus Rá encontrou a outra deusa adormecida, sob os cuidados de outro povo,
muito diferente dos que Snefru conheceu. Um povo amistoso e sábio, conhecedor
de muitos segredos. Viviam escondidos no fundo das águas. Enquanto isso, Snefru
havia se rendido aos impulsos da natureza humana e se envolveu com uma fêmea de
um dos povos preferidos, gerando um filho cujo nome era Khufu. No
momento de partir, seu pai revelou sua origem e a herança de um outro mundo que
ele mesmo havia criado. Confiou-lhe um segredo de como abrir uma passagem para
enxergar esse mundo, o mundo de Gir. O Deus Rá, apesar de que, também tinha que
partir, se demorou um pouco mais entre o povo que zelava o sono da deusa, e
elegeu um deles para que o avisasse quando ela despertasse.
- Era um
sinaleiro - disse Porfi.
- Sim, um
sinaleiro – responde Latem, satisfeito com a perspicácia de Porfi – Mas algo de
ruim aconteceu, a natureza de Khufu foi transformada por pensamentos de
dominação, vaidade e poder. Ele assumiu a liderança do seu povo se mostrando
cruel e impiedoso. Escravizou muitos povos que viviam próximos, construiu uma
grande pirâmide e intimidou seus sacerdotes com as imagens ameaçadoras dos
dromis, uma das raças nemesianas que vivem aqui.
- E os dromis?
Também viram esses povos? – pergunta Tiri.
- Sim, os dromis
lhe tinham obediência. Khufu era a única herança do seu deus.
- Então, foi por
isso que construíram um dromis gigante na frente da grande pirâmide? Para
avisar aos seus inimigos de como era poderoso?
- Em parte sim
Porfi, foi isso que aconteceu – responde Latem, dando sinais de que gostaria de
encerrar a conversa e retornar para a sua gruta – Na verdade, Khufu que era um
semideus, herdou um conhecimento oculto que seu pai jamais revelaria,
conhecimento esse, que poderia trazer os dromis para o seu mundo, o que
aumentaria o seu poder.
- E ele
conseguiu? – pergunta Camar, sem piscar os olhos, encantado com a história.
- Não. Khufu
desconhecia a existência do Deus Rá, e este percebendo o erro de Snefru,
interferiu nos planos do enlouquecido tirano.
- Como ele fez
isso? – pergunta Tiri.
- Khufu recebeu a
visita de uma mensageira do povo que zelava pelo sono da filha de Rá.
- Uma
mensageira?
- Sim Porfi, uma
mensageira. Ela trazia pedras brilhantes e de muito valor e era um fêmea muito
atraente. Khufu se deixou seduzir pelos seus encantos e quando a noite chegou,
ordenou que levassem a sua presença, aos seus aposentos. Ao retornar a luz no
céu, Khufu não tinha nenhuma lembrança do seu passado, tudo foi apagado da sua
memória, não se mexia, não falava, não se alimentava e não bebia. Sua morte foi
um mistério, uma maldição.
- E a
mensageira?
- Sumiu misteriosamente.
Nos aposentos de Khufu só foi visto um falcão, um pequeno e belo animal voador.
Alguns sacerdotes aliados de Khufu, também desapareceram. Apenas um foi
poupado, ele recebeu algumas vezes a visita de Rá no interior da pirâmide,
revelando entre outras coisas, que ele era o deus da estrela que adoravam, que
chamavam de sol e que iluminava, aquecia e dava vida ao seu mundo. A partir
desses encontros com o sacerdote, todo o povo passou a adorar o Deus Rá.
- E os dromis? –
pergunta Camar.
- O Deus Rá
partiu para as estrelas. Mas antes, aterrorizou os dromis com imagens de
animais daquele mundo. E depois, destruiu a ponta da pirâmide, acabando de vez
com os planos de Khufu.
- É uma história
incrível! – disse Tiri.
- Sim,
mensageiro. Uma história incrível. Mas agora preciso que conheçam meus amigos e
seus aliados.
Todos retornam de volta à morada de Latem e ao chegarem, uma surpresa.
Latem se abaixa e olha para a entrada e alguns gatos se aproximam lentamente,
com os focinhos para cima, cheirando o ar. Latem faz um gesto simples e os gatos
correm e sua direção e ele segura um deles nos braços, o seu preferido.
Porfi e Camar observam receosos.
- Este aqui é o líder – sorrir
animado – Seu nome é Mau.
- Estão todos aqui? – pergunta Camar.
- Não, existem dezenas deles, se
espalharam por outras grutas das montanhas, mas sempre vem me visitar.
- Não me lembro de nenhum mensageiro
falar sobre... Como é mesmo nome? –
- Gatos.
- Gatos. Nunca foram vistos?
- Não chegaram a ver, vocês são os
primeiros. Mas já escutaram seus miados. Eu nunca comentei a sua existência,
dizia que eram os anilos que gemiam com o frio das noites.
Um dos gatos acostumado com Tiri se aproxima roçando em sua perna.
- Este aqui gostou de mim.
- Você ofereceu comida para ele – comenta
Latem – Eles gostam de serem agradados.
De súbito, escutam um rosnado no
alto da pedra. Todos olham para cima.
- Pelos deuses! – diz Camar,
apavorado – O que é aquilo! Um dromis?
- Calma, meus amigos. Aquele é Seth.
O grande lobo pula das pedras de um único salto. Aproxima-se devagar de
Latem, olhando de lado para os visitantes. O gato Mau se arrepia e pula dos
braços de Latem, correndo com os demais para dentro da gruta.
- Seth não gosta muito dos meus
amiguinhos. Às vezes eu o entendo.
Com cerca de um metro de altura, o lobo encosta-se à perna de Latem que
acaricia sua cabeça. Os visitantes ficam paralisados.
- Posso lhes garantir que Seth é um
bom amigo e protetor de vocês. Venham, aproximem-se, não tenham medo – insiste
Latem.
Porfi, Camar e Tiri se aproximam de Seth e o lobo lambe suas mãos,
deixando evidente que não pretende devorá-los. Após algum tempo, a presença de
Seth não mais assusta e todos compartilham tranqüilidade, enquanto Latem trás
algumas espadas, lanças, escudos, arcos e flechas da gruta.
Durante todo período de luz, Latem explica como as armas são feitas e
ensina como usá-las. Ele elogia o bom desempenho dos seus aprendizes, que desde
o início dos treinos, aprenderam rápido os movimentos. Porfi se destacou com o
arco e flecha, tem as mãos firmes e possui boa pontaria. Camar se movimenta bem
com a lança. Tiri chegou a dizer com bom humor, que a espada era a ferramenta
que faltava em sua vida e foi o que deu mais trabalho para Latem, que o
ensinava a controlar a ansiedade e valorizar a técnica e concentração. O que
mais se escutava no platô era o som metálico das espadas de Latem e Tiri.
Durante todo esse tempo, nenhum deles comeram ou sentiram fome, apenas bebiam
um chá energético que Latem havia preparado, contendo ervas e outras
substâncias nutritivas desconhecidas dos visitantes. No início da primeira
noite, ninguém dormiu, Latem testava suas resistências físicas e ensinava a
meditar.
- Estão todos de parabéns! Vocês
realmente se esforçaram, faz muito tempo que não via aprendizes tão dedicados e
disciplinados.
- Aprendemos muito com você Latem –
disse Tiri.
- Mas lembrem-se! – continua Latem,
tocando a própria cabeça com o dedo indicador – Usem a mente e não se deixem
dominar pelo medo e a fúria do inimigo. Fiquem juntos, unam suas forças com
sabedoria. Confie em seus instintos.
- Nunca pensei em usar armas – disse
Porfi.
- As armas têm o poder de salvar e
matar, de defender e atacar. Nunca utilize para fins egoístas, como força de
dominação e submissão. Se bem usadas, podem trazer alguma segurança para aqueles
que as possuem, mas os propósitos sempre devem ser elevados – orienta Latem,
enquanto abre uma cesta e entrega para cada um deles, pequenas bolas de couro
compactas, recheadas e com um estopim.
- O que é isto? – pergunta Camar.
- É um explosivo. É feito com uma
mistura...Como posso explicar....um tipo de areia.
- Explosivo? Areia? – indaga Camar –
Para que vamos usar areia?
- Não são areias comuns. Na verdade a
mistura é feita com três tipos...de areia.
Latem retira de potes, uma pequena porção de salitre, carvão e enxofre.
Em seguida, mistura tudo numa pequena tigela, produzindo pólvora. Retira uma
pitada e joga sobre a luz de um dos vasos na parede.
- Pelos deuses! – grita Porfi,
espantado com o clarão e a fumaça.
- Como eu disse, existem muitas armas
poderosas e desconhecidas, e esta é uma delas. Se uma pequena parte faz isto,
imagine o que tem em suas mãos.
Os três amigos se olham e põe vagarosamente e desconfiados as bolas de
couro no chão. Latem sorrir.
- Nunca as deixe perto do fogo. Depois
de acender o pavio, jogue onde quer explodir.
- Explodir? – pergunta Tiri.
- Sim, fazer bum! – explica Latem,
tentando imitar uma explosão.
- Bum?
- Acho melhor nós irmos lá fora, assim
entenderão!
Latem leva um dos explosivos para a área externa e ensina como acender o
pavio, riscando os gravetos com pontas de fósforo na pedra. Em seguida, joga o
artefato com força e o mesmo explode com potência. Um eco espalha pela
montanha.
- Pelos deuses! – repete Porfi.
- Escutou o barulho? O bum? –
pergunta Latem olhando para os três com fina ironia – É muito perigoso! Pode
destruir pedras e matar muitas coisas de uma só vez. Nunca fique perto depois
que acender, entenderam?
Os três amigos balançam a cabeça devagar, ainda com os ouvidos zunindo
com o estrondo.
- Agora entendo por que os dromis não
gostam de vir aqui – disse Camar – Os mensageiros ouviam isso, diziam que era a
montanha que se mexia.
- Os dromis não gostam, fogem
assustados, seus ouvidos são muito sensíveis – explica o ancião. Vamos entrar,
está muito frio aqui fora, tenho outra areia para lhes mostrar.
Ao entrarem na gruta, Latem trás com cuidado outro embrulho bem fechado,
contendo 2 quilos de fina areia, misturado com bactérias virulentas e letais de antrax.
- Também faz bum? – pergunta Porfi.
- Não, mas mata! É uma areia
venenosa, provoca dores e ferimentos. Quando usar, abra com cuidado, não toque!
Jogue a favor do vento sobre o inimigo, ou espalhe onde ele costuma dormir! Mas
não deixe que o pó lhe atinja.
- Não sabia dessa areia – Disse
Camar.
- Não existe neste mundo, trouxe do
mesmo lugar de onde vieram os gatos e os crocodilos. Usem se precisarem.
- Você ainda não falou qual será a
nossa missão – lembra Porfi.
Latem retorna para guardar a areia venenosa.
- Estão com fome? - Desconversa o
ancião.
- Sim, estamos Latem, com muita fome
e sono – responde Camar.
- Tudo bem, vamos comer um pouco, mas
antes precisamos comemorar o aprendizado.
Latem apanha uma jarra com seremet.
Após algum tempo, depois de ter bebido alguns generosos goles da bebida,
Porfi e Tiri sente-se eufóricos e alegres. Camar só precisou beber um pouco e
tombou num sono profundo.
- Ele estava muito cansado – disse
Tiri – Também me sinto leve e um pouco...
- Tonto – diz Latem – Vocês agora
sabem o que falei do seremet. Essa bebida é boa, mas não se pode exagerar.
Temos mais uma longa noite, vocês devem dormir agora.
Tiri e Porfi se levantam, arrastam Camar até o outro cômodo e também
dormem profundamente entre as macias peles de mescas. No buraco do teto, Seth
tudo observa. O lobo faz uma pequena ronda no entorno da gruta, conferindo se
está segura e retorna para a caverna.
Latem já se encontra em seus aposentos, relaxando numa rústica piscina
de águas quentes, bebendo seremet e satisfeito com o treinamento dos seus
aprendizes. Olha para todos os lados e não encontra nenhum gato, inclusive Mau,
o seu predileto. Um belo vulto feminino entra no aposento, falando com uma voz
suave e aveludada.
- Você acha que eles estão preparados
o suficiente?
- Ainda não sei – responde Latem –
Mas não posso ir mais adiante, seus conhecimentos são muito rudimentares, há
muita inocência em suas almas.
- Vai ser difícil proteger todos ao
mesmo tempo – comenta a mulher.
- Pedi para que fiquem juntos. Não
quero que nada de ruim aconteça com eles, é importante que fiquem vivos. Tenho
uma tarefa para um mensageiro.
- Tiri?
- Não, Porfi dos amabis. Também
precisamos retirar um grupo especial de dromis desse planeta. Esperava que Seth
ou um falcão o fizesse, mas não vou conseguir certo?
- Sabe que não. Use o mensageiro.
- Farei isso. A nossa presença aqui
ainda não está concluída e os eventos estão seguindo o seu curso
favoravelmente.
- Zuila está conduzindo bem sua
missão. Os aliados de Viga já estão entre nós, expande suas ações na galáxia
vizinha. Eles estão atentos, em breve chegarão, estamos muito expostos e
ameaçados – Alerta a mulher.
- Sei disso. Faremos tudo com
precisão. Já enviei o sinal.
- Não é exatamente esse confronto que
temos que evitar? Estamos mais uma vez interferindo no curso dos eventos –
disse a mulher.
- Entendo sua preocupação e não posso
negar que existem riscos. A nossa integridade física não pode ser comprometida.
Mas lhe asseguro que ficaremos bem, lembre-se que temos aliados.
- Acho que um pouco de ansiedade se
apoderou de mim. Claro que me sinto segura ao seu lado, não teria por que não
está – comenta a mulher.
- O sentimento de ansiedade foi
ativado pelo instinto de preservação do seu corpo, é natural. Você tem lidado
com ele e outros sentimentos com muita ponderação, não há nada com que se
preocupar. Falando nisso, como está lá fora?
- Está calmo. Acho que os dromis
estão fazendo o cerco do outro lado da montanha. Escutaram a explosão, vão
ficar quietos por enquanto.
- Dromis e gruns no mesmo ambiente,
quem pensaria nisso?
- Isso para mim é um grande pesadelo
– suspira a mulher.
Latem se levanta da água. Ele agora apresenta uma aparência mais jovem. A
mulher se aproxima com uma coberta e o envolve com cuidado:
- Você gosta muito deste planeta não
é?
- Com exceção da rotação, sim. É
tranqüilo. Mas proteger esse belo povo torna a nossa presença aqui mais digna, eles
não têm ninguém por eles, não seria justo.
- E nosso povo? Mei e os outros? –
pergunta a mulher.
- Os semideuses ficarão bem. Só preciso
cuidar mais uma vez de um em especial.
- Mei ainda desconhece seu poder e
sua guardiã Solaris a deixa muito a vontade. Ela não sabe da existência do seu
irmão.
- Seth – Disse Latem, pondo a mão em
cima do ombro da mulher – Você é uma boa amiga e uma grande aliada. Somos
parceiros há milênios e sei que os poderes de Rá não seriam suficientes sem a
sua ajuda. Se por um momento de fraqueza ou medo Zuila nos traísse, já
saberíamos disso. Tanto ela quanto Ydegart nutrem os mesmos sentimentos nobres.
- Você confiará em Ydegart? Depois de
uma eternidade de maldades por esse universo? Você acha que alguma coisa de bom
ainda existe nele?
- Sim, acredito. Ydegart teve sua
mente entorpecida e manipulada pelo poder de Viga. Mas um sentimento maior,
sempre esteve vivo em seu ser, lá no íntimo, protegido e enjaulado.
- Proteger seu povo? Você acredita
nisso?
Um miado se faz ouvir de uma fenda, no alto do aposento.
- É Mau, acho que ele quer descer. Confie
em mim Seth, agradeço a sua preocupação, ela é legítima e me fortalece.
- Já entendi – diz a mulher olhando
para o gato - Mas quando Ydegart chegar estarei por perto!
- Faça isso, não tiro suas razões,
riscos sempre existem.
Latem abre um sorriso e abraça Seth.
A mulher se afasta de Latem e enquanto caminha, transforma-se no lobo,
olha para o gato e mostra as pressas. O gato retribui o gesto e começa a descer
entre as pedras da parede, emitindo um miado abusado.
- A natureza destes dois não tem
jeito – sussurra Latem, balançando a cabeça negativamente. O gato Mau pula em
seus braços, enciumado e mendigando carinho.
Capítulo 3
OS INVASORES
Nos primeiros raios de luz, Ydegart se
despede da aldeia dos manasis. Todos estavam comovidos e tristes com a partida
do mensageiro, que agora tinha a missão de encontrar Porfi e trazê-lo de volta.
O mesca preparado por Ascat segue tranqüilo em direção a montanha.
Ydegart tem tudo que precisa para uma viagem segura e se esforça para que a
tentativa de lembrar seu passado não interfira na concentração do seu objetivo.
Mesmo assim, aguça seus sentidos, cheirando, tocando e observando com atenção a
bela paisagem que se apresenta.
- Como eu poderia esquecer tão bela visão? – O mesca emite um grunhido
parecendo entender o conflito do mensageiro.
Na aldeia dos manasis, a rotina foi quebrada com a aproximação da festa
da colheita e o casamento de Nelin e Ydegart. A fumaça vinda das pedras acende
os primeiros focos de fogo. O largo central da aldeia encontra-se singelamente
enfeitada. Os músicos afinam seus instrumentos e muitos já dançam, cantam e
riem. Enquanto termina de costurar um
cesto, Tabu passa a vista rápida pelo povo e percebe a ausência de Nelin.
Entrega a cesta para que um jovem aprendiz conclua o serviço e começa a
procurar a jovem por todos os lugares possíveis.
Há poucos metros do limite da aldeia, ele ver Julaia trazendo um pote de
água nos ombros.
- Onde está Nelin?
- Ela disse que iria colher flores nos montes, o que temos
para fazer remédios está acabando.
- Ela foi sozinha?
- Por que não? Ela é jovem e forte,
já foi várias vezes. Qual é o problema?
- Nenhum, é que eu preciso falar com
ela sobre o casamento e...não é nada demais!
- Se o assunto é casamento então tudo
é importante! Faz pouco tempo que ela subiu o monte, vai encontrá-la fácil. Isso
é se você ainda agüentar! – Sorrir Julaia.
Tabu põe a mão sobre os ombros de Julaia e diz com humor que ainda tem
forças para subir qualquer monte e que ela tivesse cuidado em não machucar os
ombros carregando água. Determinado, ele segue em direção ao monte, onde
dezenas de flores são cultivadas e serve de base para a produção de vários
tipos de medicamento. Apesar da subida ser um pouco íngreme, Tabu passou bem
pelos obstáculos, conhece o caminho de olhos fechados. Durante o percurso,
encontrou pegadas recentes, identificado-as como de Nelin, que desaparecem ao
chegar aos campos altos.
Tabu explora todos os locais cultivados e não encontra nenhum sinal de
Nelin. Exausto, descansa na sombra de um abrigo de pedra. Havia se passado o
primeiro dia desde a partida de Ydegart, que estaria na metade do caminho.
Ao longe, Tabu tem a impressão de ter visto Nelin. Dessa vez num local
mais acima dos campos e de difícil acesso.
- O que será que ela faz lá no alto? Por
que se arriscaria tanto?
Quando mais jovem, ele lembra que costumava ir com o irmão Certia e
outros amigos para o cume pedregoso do monte. Tem consciência de que o vigor
físico atual não permitiria o esforço de subir tão alto.
- Muito desgastante e perigoso para
um manasis da minha idade! – Pensa ele.
Mas a intuição lhe dizia que deveria enfrentar tamanho desafio. Poderia
seguir por uma trilha mais distante, onde encontraria fissuras e arbustos nas
rochas onde poderia se apoiar e descansar.
Tabu sempre desconfiou de Nelin desde o dia em que ela chegou a aldeia
dos manasis. Com a chegada de Ydegart, seu comportamento foi se tornando cada
vez mais enigmático. Sem mais pensar nos riscos, enxugou o suor do rosto e
levantou-se devagar:
- Preciso de respostas! Vou até
Nelin!
No lado oeste da montanha, um grupo de oito dromis se esforçam na
tentativa de derrubar uma grande árvore. Tendo sua base praticamente carcomida
por potentes mordidas e arranhões, a árvore finalmente tomba. O líder do grupo
toma a iniciativa de arrastar a árvore pelos fortes galhos, quando os outros
dromis, entendo suas intenções, partem para ajudá-lo.
Sempre rápidos e trabalhando em equipe, o resultado do esforço é
compensado, os dromis conseguem atingir o rio que separa o vale e a montanha.
Com o barulho da árvore caindo sobre o espelho d’água, dezenas de crocodilos
com mais de 12 metros cada um, partem enfurecidos à margem do rio. Os dromis
empurram a árvore para que a mesma entre de vez na água e atinja uma correnteza.
Os crocodilos chegam a sair para a terra, mesmo com pouca mobilidade, e avançam
sobre os dromis que os distraem, enquanto outros conseguem fazer o tronco
flutuar.
A correnteza afasta o tronco da margem, os crocodilos fecham o cerco de
acesso, resta pouco tempo para que eles subam e possam atingir a outra margem
do rio. Os crocodilos avançam cada vez mais pelo solo, todos os dromis também
se afastam, dando a impressão que estão recuando, mas na verdade, estão tomando
posição para avançar em direção ao rio.
Com um sinal do líder que ruge semelhante a um leão, eles partem juntos
em desenfreada e elegante velocidade, saltando sobre os ferozes crocodilos e
caindo com precisão e equilíbrio sobre o frondoso tronco. O impulso dos pulos
sobre a madeira acelerou a chegada à desejada correnteza. E quando finalmente
os crocodilos conseguiram alcançá-los, pularam nas pedras da encosta do rio e
com vigorosos saltos de uma escarpa para outra, escalaram um íngreme paredão.
Os dromis atravessaram, finalmente, para a montanha.
Após um longo esforço e bastante ofegante, Tabu observa Nelin. Ela
encontra-se ainda distante, no alto de uma pedra, quase na beira do precipício.
Por um momento, Tabu se aflige, achando que Nelin queria cometer
suicídio. Mas consegue controlar esse pensamento obscuro, uma vez que não há
motivos para esse ato insano.
- Nelin é feliz! – Pensa e recua para
o interior da fissura da rocha em que se encontra, recuperando um pouco as
forças.
Por alguns instantes, o velho manasis queria se arrepender pelo esforço
de chegar tão longe, comprometendo sua saúde, arriscando-se. Não queria que
Nelin o visse, não saberia como justificar sua presença ali, a não ser dizendo
a verdade.
As luzes do último dia já começavam a dar sinas de que a noite se
aproxima. Um suave crepúsculo manchava o horizonte de cores diversas e o
reflexo das primeiras partículas de gelo convencia de vez Tabu do erro que
cometera. Para um jovem manasis, haveria tempo suficiente para chegar à aldeia,
mas para um ancião, esse tempo significava a morte. Tabu não poderia retornar.
Num ímpeto, decide pedir ajuda para Nelin, mas é surpreendido por ruídos
assombrosos. Ao virar-se olhando para o céu, os olhos de Tabu se enchem de
pavor. Rapidamente, se abaixa e se contorce para se esconder dos milhares de
gruns que por ele passa voando baixo. Tabu recupera a coragem e procura Nelin e
surpreende-se de vê-la acariciando uma dessas feras enquanto outras descem e
esvoaçam em torno dela.
Ainda debilitado pelo cansaço e o frio que chega rápido, Tabu tem
impressão de escutar gritos que se confundem com grunhidos das feras aladas,
adianta o corpo sob uma pedra, deitando-se para enxergar melhor.
Ainda fraco, ele se assusta com um dos gruns que se encontra tranqüilo, na
espreita, bem acima dele. Tabu vira-se de peito, indefeso, e olha fixamente
para a fera que pula desajeitado sobre ele e o encara com seus oblíquos olhos
vermelhos, opacos e lacrimejantes. A pele negra e brilhante do grun, que mas
parece um morcego gigante, se abre em forma de asa criando uma extensa sombra
sob Tabu, que não resiste e desmaia. A fera emite um grito para o alto, Nelin
olha rápida e curiosa para trás.
Na montanha, após enfrentar o frio da longa noite, Ydegart e o mesca
seguem à morada de Latem. Havia muita neblina e freqüentes lufadas de correntes
de ar que chegavam a empurrar o mesca para os lados. Precisavam ficar atentos,
pois a trilha torna-se estreita nessa área da montanha e apenas seis metros
separam o paredão rochoso do precipício. Naquelas alturas, durante a noite, os
fortes ventos facilmente arrastariam um viajante para a queda fatal.
Ainda um pouco ressacados da seremet,
Porfi, Tiri e Camar mais uma vez aproveitam uma noite de sono diferente e sem
intervalos. Aproximam-se do calor das chamas que aquece uma tigela de caldo
aromatizante. Ao lado, uma cesta com pão da tjeret e raízes cozidas. Ainda
havia um pouco de bebida alcoólica feita da seremet, mas ninguém sequer tocou
no pote.
Antes de comerem, procuram por Latem ou Seth no entorno e não encontram,
retornando a caverna. O gato Mau se aproxima de Tiri, que lhe oferece um pedaço
de pão.
- Acho que podemos comer sem ele? - pergunta
Camar, ansioso e faminto.
- Não vejo problema. A comida está
servida não está? – responde Tiri
- Vocês podem comer, vou lá fora
novamente! – disse Porfi.
- Mas acabamos de chegar mensageiro.
Eles não estão aqui por perto – Avisa Camar.
- Mesmo assim quero ir mais uma vez!
– responde Porfi, decido.
Tiri sugere que Porfi coma com eles o que Latem deixou preparado, que a
noite foi longa e fria e o corpo com isso enfraquece, precisando de comida.
Seria desnecessário sair sem está preparado.
- Acredite Porfi, Latem costuma
desaparecer de vez em quando, mas sempre deixa a comida pronta.
Porfi pondera o conselho de Tiri
enquanto observa o som gutural de Camar, comendo as raízes cozidas com o caldo.
Tiri retira um pouco do caldo da tigela e oferece a Porfi e este se rende a
fome, comendo com entusiasmo.
- Vou até a pirâmide! Acho que Latem
e Seth devem está lá?
- Como pode saber? – pergunta Tiri.
- Não sei! É o único lugar aqui perto
em que eles podem ir.
- Não tenha tanta certeza disso. Olhe
estas sementes, estes frutos e tudo o mais aqui. Não vimos nada disso na
pirâmide, apenas desenhos e pinturas.
- Sim, eu sei. É só por precaução. Se
eles não estiverem lá eu volto!
- Sabe Porfi! Eu acho que ele foi
buscar mais comida – disse Camar com a boca cheia – Acho que vocês comem muito!
Tiri olha para Porfi e os dois começam a rir. Camar parece não entender
a situação de que o glutão é ele.
- Acho que você tem razão Camar –
fala Porfi – Mesmo assim, vou procurar um pouco e vocês podem olhar pela
caverna e ver se acham eles.
- Não devemos
andar assim por aqui, olhando as coisas, Latem pode não gostar – alerta Camar.
- Não vamos mexer em nada! Apenas
chamar por eles! Não queremos ficar sozinhos aqui! Por que vocês não vêm
comigo? Assim ficaremos juntos!
- Acho essa idéia melhor! – disse
Camar enquanto olha para Tiri esperando aprovação.
- Está bem assim! Vamos juntos até a
pirâmide e de lá voltaremos!
- Pode ser que Latem já esteja aqui
com uma comida diferente e.... O que foi? Por que estão me olhando desse jeito?
– Impacienta-se Camar, no que Tiri e Porfi mais uma vez desatinam em risadas.
Na
aldeia dos manasis, Tabu desperta no abrigo dos enfermos. Passou a última longa
noite inconsciente e apesar do desgaste físico e emocional que passou, senti-se
forte o suficiente para levantar. Olha cuidadosamente o ambiente e encontra
preparados de ervas e comida:
- O caldo ainda está quente - pensa
Seu corpo está limpo e aromatizado, assim como suas roupas, que foram
trocadas. Ele serve-se da comida, mas antes cheira por temer que esteja
envenenada. Adianta os passos para fora do abrigo e encontra a aldeia em
absoluto silêncio. Tabu grita chamando por alguém que o possa escutar, mas não
obtém resposta. Ele percorre a aldeia e surpreende-se com a desordem e o caos.
O que seria o preparativo de uma festa tornou-se uma visão desoladora, não
havia nenhum manasis além dele.
Tabu se abaixa em sinal de desespero, sofre em pensar que todas aquelas
feras atacaram seu povo e os conduziram para um destino desconhecido. Não sabe
se estão vivos ou aguardando serem devorados por cruel carnificina.
- Adultos, jovens, crianças e
animais, tudo foi levado...Pelos deuses! O que aconteceu aqui, quem me trouxe
do monte? O que faço agora?
Tabu sente que há algo em seu bolso. Levanta-se e retira um tecido
pintado. Tabu começa a interpretar os desenhos e reconhece que ele faz parte da
mensagem. Ver claramente a cena em que Nelin é rodeada pelos gruns, e que ele é
achado por um deles. O desenho mostra também que ele retornou voando até a
aldeia nas garras da fera e que foi cuidado pela própria Nelin. Tabu observa
que existe outro animal voando no desenho, um pouco maior que um anilo,
desconhecido para ele. Era um falcão.
Ainda atordoado, um grunhido conhecido lhe chama atenção:
- Pelos deuses! É um mesca! – Tabu
adianta os passos em direção do animal recém chegado e encontra em seu pescoço,
o colar de Porfi.
- Eu sabia que tinha algo de
estranho! Seja bem-vindo meu bom mesca! Coma e beba, pois temos uma nova
jornada! – conversa Tabu, com animal.
Tabu retorna ao abrigo e recolhe alimentos, água e remédios. Veste a
roupa protetora de viajante e segue em montaria com o mesca de volta para a
montanha, ao encontro de Latem.
A neblina já havia dissipado um pouco quando Porfi, Tiri e Camar
seguiram para a pirâmide que não fica muito longe da caverna. Andavam com
cautela, procurando rastros que pudessem indicar pegadas na fina neve. Camar
olha para o céu e aponta para um bando de anilos voando desordenadamente para o
leste.
- Estranho! Ainda é cedo para os
anilos saírem de seus abrigos! – observa Camar.
- Eles voam estranhos! Deveriam
seguir retos como sempre acontece! – disse Tiri.
Os anilos passam pelo céu acima deles mais rápidos do que o normal e
vocalizando muito.
- Alguma coisa os assustou – conclui
Porfi – Camar, vá até o interior da gruta da pirâmide e veja se Latem ou Seth
estão por lá! Eu e Tiri vamos até o alto daquela pedra ver alguma coisa, nos
encontramos aqui mesmo!
- Já estou a caminho, não demorem!
Tiri estende a mão para ajudar Porfi subir na pedra:
- Acho que deveríamos ter trazido nossas
armas!
- Não acho necessário, estamos
seguros e além do mais, quem disse que são nossas – Sorrir Porfi, dando um leve
tapa nas costas de Tiri sugerindo agradecimento pela ajuda.
Antes de olharem para as escarpas e pequenos platôs do cânion, Porfi e
Tiri olham para trás escutando Camar gritando e gesticulando com os braços,
avisando que não há ninguém na pirâmide.
Porfi e Tiri retornam o olhar para a silhueta do outro lado de uma
cordilheira. Observam a grandiosidade daquele mundo cercado de mistérios e
lendas. Mas em algum momento, Porfi escuta algo parecido com um ronco.
- Escutou?
- Não! Mas olhe! O que é aquilo?
- Parecem animais? São muito grandes
para serem anilos ou mescas!
- E eles... Não pulam assim tão
rápido e alto.....Pelos deuses!
Porfi olha para Tiri, os dois pensam iguais.
- Dromis! São Dromis!
Os dois amigos pulam da pedra e aos tropeços correm em direção à caverna
e gritando por Camar, que mesmo sem saber do que se trata, já corre na frente,
mas é amparado por Tiri e Porfi quando estão próximos a caverna de Latem.
- Mas o que houve? Nunca corri tanto
na minha vida, nem quando era criança - Dromis, Camar....Dromis – fala Tiri já
sem fôlego.
Camar arregala os olhos e se desvencilha
dos amigos e corre para a caverna, porém não consegue entrar, dois dromis pulam
sobre ele e lhe impedem a passagem, enquanto os outros se aproximam sorrateiros
por traz, lentamente desconfiados, como se procurassem alguma armadilha.
- Pelos deuses! Vamos morrer! – grita
Camar.
- Concordo com você Tiri! Deveríamos
pelo menos ter trazido o bum! – disse Porfi com dificuldade de respirar.
Sufocados pelo medo e sem forças nem para gritar por socorro, os três
amigos se ajoelham aceitando seus destinos. Camar volta recuando até eles, intimidado
por um dromi.
Ainda sem acreditar no que estava fazendo, Tiri reúne forças para gritar
pela única ajuda possível naquele momento:
- Mau!.....Mau!.....Mau! – Os outros
também gritam.
O dromis que estavam próximo a entrada olham para o interior da caverna,
escutam alguma coisa, rugem e se afastam. Os outros dromis se aproximam
curiosos e logo recuam em desespero, pulando aleatoriamente sobre pedras altas.
Dezenas de gatos chegam correndo e fechando um círculo ao redor de
Porfi, Tiri e Camar. Na entrada da caverna o gato Mau encontra-se altivo,
observando cada dromi, em especial um que não participou do cerco, o líder
deles, o mais forte, de pelagem cor laranja e brilhante. O único dromis que não
tem medo de gatos.
Mau corre até o líder, este também segue em sua direção. Os dois se
comunicam de alguma forma.
- O que eles estão fazendo?
- Não sei Tiri – responde Porfi –
Acho que estão negociando alguma coisa.
- Negociando? Negociando o quê? Quem
eles vão devorar primeiro? Aquele gato pode morrer apenas com uma lambida
daquela fera! – grita Camar.
- Calma amigo! Vamos aguardar – diz
Porfi - Lembra na gruta da pirâmide que as pinturas revelavam que os dromis
eram assombrados com imagens daquele mundo distante de Rá? Só pode ser de gatos
o que eles temem...
- Tem razão Porfi, lembro bem dessa
parte dos desenhos! – concorda Tiri – Mas aquele dromi ali não tem medo de
gato!
O líder dos dromis se afasta silencioso e o restante o segue.
Rapidamente desaparecem por um desfiladeiro. Os gatos entram na caverna. Mau
corre em direção a Tiri e pula nos seus braços.
- Obrigado amiguinho, salvou nossas
vidas!
- Esse animal realmente gosta de você
Tiri! – disse Camar aliviado e coçando a cabeça do felino.
- É melhor irmos para dentro da
caverna! Eles podem está se preparando para voltar! – aconselha Porfi, com
expressão séria.
Latem está sozinho em um platô aberto da montanha. Observa a paisagem do
Vale do Sial. Do céu, avista um falcão que vocaliza e se aproxima dele. A ave
pousa rápido no solo e se transforma em mulher.
- Então, Seth.
- Temos um problema! Tabu estava no
alto do monte, viu Nelin com os gruns e sabe que seu povo foi raptado.
- Como ele está?
- Nelin o levou para a aldeia e
prestou cuidados. Desapareceu em seguida. Acho que ele estava em risco de vida.
Não foi possível ir com os outros.
- Ninguém pode ficar para trás!
- Foi o que eu pensei. Mas o velho é
teimoso e está vindo para montanha no mesca que reservamos para Ydegart, ainda
não parece bem de saúde – disse Seth.
- E onde está Ydegart?
- Está próximo do platô, montado em
outro mesca.
- Isso não é bom! – comenta Latem –
Tabu deveria está com os demais.
- O que fazemos então?
- Por enquanto retornaremos. Nossos
hóspedes já devem ter acordado.
No interior da caverna, os três amigos resolvem descansar do susto.
Camar alimenta o fogo para esquentar o caldo que ainda resta. Escutam ruídos lá
fora e uma sombra se projeta na parede. É o grande lobo que se aproxima,
seguido por Latem.
- Então! Vejo que já comeram, mas
pelas suas caras vejo que não estava bom!
- Não isso Latem – fala Tiri – Sua
comida é sempre boa é que...
- Seth está preocupado. Ele
pressentiu alguns dromis vagando por aqui, lá fora está cheio de pegadas, inclusive
as de vocês. O que houve por aqui?
- Resolvemos procurar você e Seth na
pirâmide, quando os dromis chegaram. Eles são rápidos! Os gatos nos protegeram!
- São rápidos mesmos. De onde
estávamos não poderíamos perceber a presença deles.
- Achamos que estriam por perto –
lamenta Camar.
- Estávamos contra o vento, do outro
lado da montanha e os dromis não exalam cheiro. Mas vocês parecem bem.
- Estamos bem, apesar do susto. Mas o
que os dromis fazem aqui?
- Eles não entram aqui dentro, temem
os gatos, temem até o cheiro e o miado deles.
- Como nas estórias das pinturas na
pirâmide? Eram os gatos que assombravam os dromis não era? – pergunta Porfi.
- Sim! Mas pelo visto eles não temem
nem um pouco os crocodilos. De alguma forma conseguiram passar pelo rio.
- Mas Latem! – interrompe Camar – Um
deles não tem medo de gato! O líder.
Seth olha para Latem e se retira devagar, para fora da caverna.
- Cuidado Seth! – disse Latem.
- O que houve com ele? – pergunta
Porfi.
- Acho que vai ter certeza que não
tem dromis por perto – responde Latem.
Porfi fica impaciente:
- E agora o que faremos? Não sabemos
nada o que acontece!
Latem se aproxima da pequena chama que está entre eles e também se
senta. Diz que trouxe mais comida e que a colheita foi boa. Olha para os três
com generosidade:
- Quer nos dizer alguma coisa Latem?
– pergunta Camar.
- Na verdade, sim. Preciso de um
mensageiro.
- Um mensageiro? Bom! Temos dois
aqui.
- E para onde seria? – pergunta Tiri.
- Lembra do líder dos dromis? O maior
e mais forte deles?
- Sim! Como podemos esquecer? – enfatiza
Camar – Nunca mais quero vê-lo!
- Suponho que ainda seja cedo para
isso.
Camar se levanta preocupado, olha para fora da gruta e retorna ansioso:
- Acha que ainda vamos nos encontrar
com aquelas feras?
- Acredito que sim. Mas muita coisa
pode mudar, eles podem se tornarem aliados. Por isso, preciso de um mensageiro
que vá até o líder dos dromis e leve um recado.
Porfi e Tiri se entreolham.
- Posso fazer isso sem problemas,
levarei o gato Mau comigo, assim estarei seguro – sugere Tiri.
- Mas você se esquece de que o líder
dos dromis não tem medo de gato! – lembra Camar.
Tiri esmorece e não sente segurança na missão.
Porfi se levanta:
- E posso ir! Sou mais jovem, mais
rápido e não tenho família para zelar.
- Muito bem. Então será você! – Latem
concorda sem cerimônias – Mas não poderá levar nenhum gato.
- E Seth? Poderá me acompanhar?
- Seth estará por perto, não queremos
provocá-los, mas o mérito da missão é seu.
- E quando e onde poderei encontrar o
líder?
- Ele está no vale da cordilheira,
junto com os demais. Quando chegar a uma grande pedra vermelha, suba com
cuidado. Leve esta tocha e acenda. Balance os braços, acene para o vale do
desfiladeiro. Eles saberão que se trata de um mensageiro. Dois dromis seguirão
primeiro para ter certeza de que estará sozinho. Não reaja, não faça nenhum
movimento, não expresse medo e nem muita confiança, não os encare nos olhos. Se
ficar apavorado por algum motivo, sente-se no chão ou se incline um pouco com a
cabeça baixa. Quando eles forem embora, o líder chegará.
- O que faço depois?
- Apague a tocha e ponha essa pequena
pedra no chão e retorne para caverna, não saia. Fique aqui com seus amigos,
aguardando Ydegart chegar, ele está próximo.
- Receberemos Ydegart? – pergunta
Tiri, ansioso - Isso mesmo, preciso que vocês o recebam com cortesia e sejam
discretos, não vou demorar.
- Como chegarei ao desfiladeiro, não
conheço o caminho?
- Seth já providenciou um mesca para
você, está lá fora, é só montar que ele saberá onde levar. Estará em segurança.
- Preciso levar armas?
- Não será necessário Porfi, terá
toda proteção que precisa, como eu disse, Seth estará por perto.
Todos seguem para fora da caverna e encontram um belíssimo e imponente
mesca sud.
- Nunca tinha visto um desses! É
muito bonito! – comenta Tiri, entusiasmado, quase se arrependendo de não ter
aceitado a missão, só para ter a oportunidade de montar incrível animal.
- Não tem montaria – observa Camar –
Não tem onde você segurar-se caso precise correr.
- Não será necessário. Olhe a pelagem
dele! - diz Tiri.
Latem se aproxima do mesca, faz um agrado no pescoço do animal e o mesmo
se abaixa para Porfi montar, levantando-se em seguida.
- Muito bom – sorrir Porfi – Posso
ficar com ele?
- Acho que não será possível, ele não
tem dono – Latem sorrir e olha para o mesca que não parece gostar muito do
comentário e se retira devagar, em direção ao desfiladeiro onde os dromis se
encontram.
Aos poucos, Porfi e o mesca se afastam da vista de Latem, que pensativo,
segue lentamente para a caverna. Camar se aproxima e pergunta onde está Seth:
- Está por perto...está por perto – responde
Latem.
Durante o percurso, Porfi abre o bornal e confere se a pedra está
segura. Observa com cuidado e admiração.
- É uma pedra muito bonita,
diferente, onde será que Latem a encontrou?
O mesca volta à cabeça e olha fixo para Porfi.
- Você entende o que digo?
O mesca do seu jeito confirma a pergunta de Porfi e acelera um pouco o
galope.
- Calma amigo! O que você quer? – O
mesca para e acelera de novo – Você quer correr?
O mesca vocaliza, Porfi conhece bem esse som, sabe que o mesca vai sair
em disparada na segunda vez que emitir de novo. Ele se equilibra e segura firme
na espessa e macia crina. O animal corre com o vento e Porfi se diverte com a
investida.
Ao chegar ao desfiladeiro, Porfi procura a rocha vermelha que terá que
subir.
- Achei! Lá está ela! Mas como vamos
chegar? Existem muitos buracos grandes no caminho, não podemos pular!
O mesca novamente faz sinal de que vai correr. Porfi se desespera só em
pensar o que o animal está prestes a fazer. Ele segura firme e fecha os olhos.
- Pelos deuuuuuusesssss! – O mesca
desce o desfiladeiro em velocidade e quando chega próximo aos pequenos abismos,
pula com uma habilidade que nenhum animal de sua espécie jamais ousaria fazer.
Após um pequeno silêncio, Porfi abre os olhos. Percebe que está mais
ofegante que o mesca. Olha para traz com espanto, vendo que haviam passado os
obstáculos. A rocha vermelha estava a poucos metros. O mesca se abaixa e Porfi
desmonta, ainda com as pernas trêmulas de tanta emoção.
- O que me deixa nervoso amigo, é que
teremos que fazer isso na volta certo?
O mesca aproxima a cabeça do corpo de Porfi e o empurra em direção a
pedra. O mensageiro quase se desequilibra com o solavanco.
- Calma, estou indo! Também não quero
ficar por muito. Vou subir, fique aqui, voltarei o mais rápido possível.
Porfi sobe um pequeno monte e ver a rocha vermelha um pouco abaixo.
Encontra-se na baixa plana de um vale sombrio, onde outras rochas alaranjadas
expelem pequenos vapores quentes saindo de fissuras pelo chão. Antes de descer
até a rocha, olha para traz e não ver o mesca.
- Onde será que ele foi? – pensa –
Olha para cima e ver a altura em que estavam e antes de descer, escuta um
pequeno ruído em um canto de rocha próximo a ele. O coração de Porfi acelera,
mas longo tranqüiliza-se ao ver que o lobo Seth está olhando para ele atento.
- Seth! Você está aí? – O lobo joga a
cabeça rápido para frente. Porfi entende que tem de seguir só e assim o faz.
Ao subir na rocha, ele retira um pouco de óleo e acende a tocha fazendo
o sinal. Observa com cuidado e prende a respiração quando ver os dois dromis se
aproximando as pressas. Imediatamente, apaga a tocha e fica de cabeça baixa,
imóvel.
Os dromis se posicionam de cada lado. Um deles se aproxima e fareja de
longe, enquanto o outro olha para o alto do penhasco. Rapidamente, os dromis
saem correndo e Porfi relaxa.
- Até aqui tudo bem. Do jeito que
Latem falou.
O líder dos dromis se aproxima devagar e tranqüilo. Porfi admirada a
magnificência do animal que para em sua frente. Ele inconscientemente e por
instinto de preservação não desvencilha o olhar do dromis. E no surto de
ímpeto, como se acordasse de um curto hipnotismo, põem a mão no bornal para
retirar a pedra e se desespera por não encontrá-la. Ele procura de todas as
formas e não acha a pedra que Latem lhe deu. Porfi olha para traz para ver se
caiu.
O mensageiro se lamenta.
- Falhei na missão.
Ele escuta a vocalização do mesca, chamando-o. Observa o líder dos
dromis, e este levantando a pata, deixa mostrar a pedra.
- Mas como ele pegou? Não lembro de
ter colocado lá?
O mesca vocaliza avisando que vai partir. Porfi olha para traz e ao
retornar os olhos para o dromi, ver o mesmo seguindo longe para o outro lado
vale. Sem perder tempo, Porfi vai rápido para o mesca que já se encontra
próximo a ele. Monta no animal e dessa vez testemunha de olhos abertos, o
retorno para montanha, saltando pelos mesmos obstáculos que antes se negava por
medo em ver.
Na caverna, Tiri e Camar escutam o chamado do mesca.
- Ele chegou! Vamos! – Disse Tiri
correndo para fora, enquanto Camar continua sentado, distraído com o preparo de
um caldo quente.
- Porfi!
- Estou aqui!
- Onde está o mesca?
- Já foi. Ele é rápido!
- Queria montar um pouco nele.
- Se eu fosse você desistiria dessa
idéia, não é fácil montar aquele mesca. Quem sabe na próxima missão.
- Como foi? Deu tudo certo?
- Sim, só que Latem não falou de como
eu entregaria a pedra.
- Do que você está falando? Era
apenas para por no chão.
- Foi incrível Tiri! Você não vai
acreditar! Onde está Camar?
- Lá dentro, preparando o caldo, ele
disse que Ydegart vai chegar com fome.
- O cheiro está bom. Espero que não
demore, por que a fome já veio comigo.
Na trilha da montanha, a jornada de Tabu não está boa. Ele sofre com
fortes dores no corpo. A montaria é severa para um manasis da sua idade. Se não
parar e descansar, não conseguirá chegar vivo até a morada de Latem. Precisa
achar um abrigo, preparar remédio com as ervas que trouxe. Estava na metade do
caminho e ainda não havia se alimentado direito.
Tabu olha para o céu e ver o animal voador que estava no desenho. Ele
pousa adiante e quando o mesca se aproxima, voa de novo para mais adiante, com
se marcasse o caminho a ser seguido. O manasis se distrai um pouco pela
curiosidade e encontra forças para entender que aquele estranho ser, está lhe
guiando para algum lugar.
O que Tabu ver, é Seth que após deixar Porfi na caverna, se transforma
em um falcão. Ele pousa próximo, numa pedra ainda coberta de neve e espera o
manasis se aproximar. O mesca para. Tabu desce e vai em direção da ave que não
esboça medo nem sinal de fuga. Chegando a poucos metros, ela entra por uma
fissura no paredão da montanha. Curioso, Tabu se aproxima para investigar e
acha uma estreita passagem que termina numa galeria quente.
- Acho que os deuses estão olhando
por mim – pensa o ancião – Estou doente, não vou conseguir seguir viagem.
O cansaço faz Tabu se entregar a um sono profundo.
Na caverna de Latem, Tiri e Camar não pisca os olhos, encantados com o
relato da aventura de Porfi. Estão envolvidos o suficiente para não lembrar que
estavam com fome.
- Você ficou de frente com o líder
dos dromis? Não se lembra de ter tirado a pedra e colocado no chão? – pergunta
Tiri.
- Não lembro. Acho que ele tem algum
poder diferente.
- Poder diferente? Como assim? –
pergunta Camar, trazendo um pote de seremet e servindo aos amigos.
- Achei que estava sonhando acordado.
Não sei ao certo, foi tudo muito rápido. Quando vi, o dromi estava lá na minha
frente.
- Mas gostei da parte em que o mesca
corria. Preciso montar nele! – insiste Tiri.
Passaram-se algumas horas de animada conversa. Os três amigos nem se
deram conta de um importante aviso de Latem em relação à seremet, bebida
alcoólica, fermentada e forte para quem não estava acostumado em beber. E o
inevitável aconteceu, tombaram embriagados.
Do lado de fora da caverna, alguém se aproxima.
- Acho que Latem não conhece o
assovio manasis – pensa Ydegart, que acabava de chegar.
Ele desmonta do mesca e vai em direção ao interior da caverna e encontra
Porfi, Tiri e Camar em sono profundo.
- Estão dormindo? – Ydegart tenta
acordá-los, pega o pote de seremet, cheira e faz uma expressão de que não
gostou.
- O que será isso? Remédio?
O cansaço da viagem também havia se apossado de Ydegart. Estava
tranqüilo, pois achara Porfi e outros estranhos.
- Acho que devem ser de outra aldeia
– pensou, olhando Camar com cuidado – Esse não é Latem.
Ydegart acha comida e água para o mesca. Ver que o caldo ainda está
quente e come um pouco.
- Acho melhor ficar aqui e dormir um
pouco, assim que Porfi acordar retornaremos para aldeia e ficarei com Nelin –
Ydegart se acomoda no canto da parede e adormece rapidamente.
Num platô da montanha, Latem conversa com Seth, desta vez em forma de
mulher.
- Como está Tabu?
- O conduzi até um abrigo seguro,
precisa de ajuda ou morrerá em breve.
- Você está bem?
- Não gosto da idéia de ter os dromis
como aliados.
- Entregou a esfera?
- Ele recebeu a esfera e Porfi se
comportou muito bem, apesar de quase arrancar minha crina, não gosto de
transformar em mesca.
- É um manasis corajoso, tem de
admitir.
- Todos somos corajosos quando o medo
não deixa escolha.
- Virá ao nosso encontro então?
- Prefiro confiar na sua decisão
Latem, apesar das poucas vezes não concordar com elas. Mas esteja certo que o
líder dos dromis virá ao seu encontro no final da última tarde. Não preciso lembrar
que o nosso tempo está se esgotando. Posso sentir a aproximação das forças de
Viga, precisamos concluir o pacto.
- É mais que um pacto Seth. É uma
revelação. O povo de Ydegart será a única referência da nossa existência aqui.
São seres raros que aumentaria a cobiça e a ira de Viga. Perderam muito da sua
origem e tradições, serão recompensados.
- Assim como Ydegart?
- Principalmente ele.
- Mas por que os dromis? São
perigosos e podem causar muitos problemas.
- Os dromis são criaturas magníficas
Seth. Eles são tão especiais e raros como o povo de Ydegart. São vítimas de um
passado remoto, alimentado por sentimentos de poder e dominação. Estou
convencido de que evoluíram e saberão repartir esse mundo no futuro.
- Evoluíram? Ainda é difícil de acreditar!
- Esse planeta pertence a eles, tem
direito em decidir seus destinos, de existir. Enquanto houver a perseguição de
Viga essa e outras galáxias estarão ameaçadas.
- Já houve muita interferência –
comenta Seth.
- É exatamente isso que estamos
tentando evitar. É impressionante como a evolução e o conceito que muitos
entendem como vida se desdobram e se protegem. Aprendemos muito com as nossas
próprias criações. E no caso dos dromis, terão uma oportunidade de manter a sua
existência.
- São exatamente essas existências
que não interessa a Viga.
- Não seja pessimista Seth. Devemos
isso a Snefru. Ficará feliz com a nossa decisão.
- Ajudaria muito se ele estivesse
aqui – Seth se afasta um pouco de Latem.
- Sua presença e dos demais enfraqueceria
a nossa missão e Viga triunfaria. Precisamos sinalizar o novo caminho e você
sabe que não estamos sós.
- Vou para casa, Ydegart já deve ter
chegado e não confio muito naqueles três, são capazes de incendiar a caverna.
Seth se transforma no falcão e salta no precipício, voltando com o vento
em gracioso vôo para o alto dando um último olhar para Latem.
- Faça isso, nos encontramos em
breve, irei ao encontro de Tabu – Latem acena para ave.
Na caverna, Camar abre os olhos e ver um estranho em sua frente dormindo
tranqüilo. Ele chama atenção de Tiri que está logo ao seu lado, batendo forte
com o cotovelo e sussurrando.
- O que foi?
- Olhe!
- Quem é?
- Parece um mensageiro manasis.
Porfi acorda com a conversa baixa dos dois amigos, quebrando o silêncio.
Tiri faz um gesto com a cabeça indicando a direção ao estranho. Porfi se
levanta, esfrega os olhos e anda em direção daquele que ainda dorme.
- Ydegart...É Ydegart!
O mensageiro escuta o seu nome e se levanta. Olha para eles.
- Porfi...
- Quando foi que chegou?
- Não sei dizer ao certo, não quis
acordá-los, parecia muito cansados, o que beberam?
- Ah....uma bebida boa... seremet.
Camar pega o pote vira de ponta para baixo.
- Acabou, bebemos tudo. Será que
Latem vai gostar disso?
- Latem? Então é aqui que ele mora?
- É sim – responde Porfi.
- Você me chamou de Ydegart? Como
sabe? Você já havia partido quando me emprestaram esse nome.
Porfi tenta acha uma resposta:
- Latem disse para nós e...
- É muito sábio esse ancião! – levanta-se
Camar, olhando de soslaio pra Porfi.
- É verdade! Seja bem-vindo
mensageiro, meu nome é Tiri, sou mensageiro dos amabis e esse é Camar, nosso
sinaleiro.
- Verdades? Sábio? – Ydegart se
lembra do que Nelin o havia dito sobre os poderes de Latem.
- O que faz um sinaleiro amabis por
aqui?
Camar olha para Porfi.
- Ydegart, está com fome?
- Sim, um pouco.
- Temos boa comida e também estamos
com muita fome, não sabemos quanto tempo dormimos – disse Porfi.
- Nosso sinaleiro também sabe
cozinhar bem – Tiri olha para Camar – Então! Vamos preparar algo para o nosso
cansado viajante.
Ydegart observa com curiosidade, percebe o esforço dos seus anfitriões e
colabora com um sorriso.
- Vocês não estão me escondendo nada,
estão? – Ydegart olha para Porfi – Um manasis não mente certo?
- Aconteceu muita coisa Ydegart,
desde que sair da aldeia até aqui. Na verdade há muito que lhe contar, mas acho
que Latem sabe mais do que imaginamos. Diremos a você tudo o que aconteceu até
aqui, você não vai acreditar!
- Só tem um jeito de saber – encoraja
Ydegart – Preciso de respostas.
- Você ainda não recuperou a memória?
- Não, acredito que Latem possa me
ajudar. A minha missão só será completa quando retornar com você para a aldeia.
Vou me casar com Nelin e todos nos aguardam para a festa da colheita.
Camar alimenta a fogueira e Ydegart olha com curiosidade. Tiri se
aproxima oferecendo água e frutos.
- Retornaremos para nosso povo, mas
antes tenho um recado de Latem, ele voltará em breve e precisa conversar com
você, tem algo importante para dizer. Mas sente-se, vamos lhe dizer tudo o que
sabemos até aqui.
Ydegart senta-se próximo ao fogo, retira as luvas e algumas vestes e
leva a mão para perto do fogo, aquecendo-as. Os três amigos observam o
bracelete de metal em seu braço.
- Um belo bracelete – disse Tiri,
admirado.
- Presente de casamento – fala
Ydegart, enquanto degusta os frutos, aprovando o paladar.
- É bom?
- Diferente, mas saboroso.
Durante toda a ausência de Latem, os três amigos relatam com detalhes
todo o acontecido em suas vidas. Ydegart escuta com paciência e atenção.
Algumas vezes seu semblante revela uma compreensão rápida dos fatos e
mentalmente, percebe que algo de muito importante está para acontecer. Sua alma
se inquieta cada vez mais, quando eles falam do que aconteceu com os amabis e
urus, dos gruns, da pirâmide, da origem extraterrestre do seu povo, dos deuses,
dos ensinamentos de Latem, do treinamento com armas. Ele tem a impressão que
tudo é muito familiar e que suas lembranças vão se revelar a qualquer momento.
Ydegart chega sorrir, quando Camar descreve sua versão da chegada dos
dromis, correndo em desespero para a caverna.
Um elo de amizade e admiração se constrói entre eles, um sentimento de
solidariedade e felicidade que Ydegart disfarça em não demonstrar.
No certo momento, Tiri que desde o início admirava o bracelete de
Ydegart, percebe que o mesmo começa a brilhar.
- Olhe isso!
Ydegart se espanta e aos poucos o brilho diminui, voltando ao normal.
Todos se entreolham. Um cansaço intenso se apodera de Ydegart, suas forças
parecem ter sido sugadas e de súbito desmaia. Ele é rapidamente amparado por
Tiri e Camar. O lobo Seth entra silencioso na caverna.
Tabu está adormecendo, encolhido num canto do abrigo que o falcão lhe
indicou, está febril e delirante. Não percebe que uma parte da parede rochosa
se desintegra. Latem se aproxima de Tabu através dessa passagem.
- Tabu...Tabu
Ainda muito fraco, o ancião manasis vira o rosto e consegue esboçar um
leve sorriso.
- Latem...
- Calma meu velho amigo, está seguro
agora – Latem ampara a cabeça de Tabu com as mãos.
- “Algo de estranho aconteceu” – diz
Tabu, com esforço.
- Eu sei meu amigo, eu sei - Latem
deixa escapar um sorriso amistoso.
- O meu povo.... – Tabu tem espasmos
de tosse – O meu povo...
- Você não está nada bem. Preciso que
fique bom, para que possa ajudar em conduzir o seu povo.
- O que aconteceu? Onde está meu
povo?
- Eles estão bem, posso lhe garantir.
Agora feche os olhos, vamos fazer uma pequena viagem.
Latem toca o dedo indicador direito no chão e eleva o braço sobre a
cabeça, tocando novamente o chão do seu lado esquerdo. Um arco de luz se forma
sobre eles e depois se abre cobrindo-os em forma de domo. Em frações de
segundos, os dois desaparecem na intensa luz que logo se desfaz.
Nos aposentos de Latem, o gato Mau encontra-se distraído e sonolento
sobre macios tapetes de mescas. Uma leve brisa sopra as chamas das lamparinas.
O gato balança a cauda e mia feliz. O animal observa tranqüilo a chegada de
Latem e Tabu, envoltos numa cortina de luz branca e suave.
O gato corre ao encontro de Latem, olha para Tabu deitado no chão,
subindo em seu tórax e cheirando a sua face. O gato mia olhando Latem.
- É meu amiguinho, ele não está bem,
mas vamos cuidar disso.
Impondo as mãos, Latem emite feixes de luzes que serpenteiam em direção
ao corpo de Tabu. Suas vestes começam a se desintegrar e seu corpo despido
levita em direção à rústica piscina de águas quentes, ficando a poucos
centímetros da superfície. Inúmeras gotículas de água sobem em direção do corpo
de Tabu como se chovesse ao contrário. A água muda de cor transparente para um
azul esmeralda. Uma coluna horizontal compacta da mesma se eleva atravessando o
corpo do manasis e retornando a formação original. Latem fecha os olhos e um
pequeno sol se forma sobre enfermo. Microscópicas fagulhas de fogo rodopiam
sobre Tabu, revitalizando e secando o seu corpo.
O gato Mau corre de repente. Latem percebe a presença de Seth em forma
de mulher trazendo uma macia manta de pele, envolvendo o corpo de Tabu que se
desloca flutuando para um espaço confortável. Seth acomoda o ancião com carinho
e toca em sua testa.
O pequeno sol se desfaz, as águas se acalmam, Latem baixa os braços.
- Obrigado Seth.
- É um prazer – Seth acende alguns
incensos aromáticos e medicinais.
- Como estão os nossos heróis?
- Seus heróis beberam toda seremet.
Latem se esforça para não sorrir.
- Estão bem?
- Sim. Estão bem acompanhados.
- Ydegart está com eles?
- Agora não mais, desmaiou. O bracelete
ativou e alterou seu campo vibratório.
- Precisamos trazê-lo para cá.
- Acho bom, o tempo está mudando, os
aliados de Viga já interferem na atmosfera do planeta. A noite chegará logo e o
líder dos dromis o aguarda no platô.
- Quero que venha comigo.
- Acho que não é uma boa idéia.
- Você não teve culpa Seth. Cumpriu
bem a sua missão. De certa forma, você salvou a sua vida e lhe deu uma nova.
Além disso, posso precisar de proteção.
Seth tenta disfarçar um sorriso com graciosa sensualidade.
- Quem precisa de proteção sou eu,
grande Deus Rá!
Latem arqueia a sobrancelha, virando um pouco a cabeça:
- Isso quer dizer um sim?
- Vamos! Não perderia por nada esse
encontro. E você está certo, ele me deve a vida.
- Deixemos Tabu aqui descansando. Abriremos
as passagens para que nossos amigos cheguem até aqui.
Latem abre a palma da mão e surgi uma pequena labareda de fogo. Ele
estica o braço em direção a escadaria de pedra. A chama segue pelo caminho
indicado e vai dissolvendo as passagens de rochas até a saída da caverna. Os
dois deuses dão as mãos e
desmaterializam-se em vapores luminosos.
Logo a cima, na entrada da caverna, Tiri olha com receio por todos os
lados e retorna.
- Onde Seth está?
- Não sei! Acho que foi avisar a Latem
quando viu Ydegart desmaiado e...
Um raio corta o céu da montanha e um trovão ensurdecedor ecoa dentro da
caverna. Tiri põem a mão nos ouvidos e corre. Camar se cobriu com uma manta.
- Pelos deuses!
O mesca também se levanta e vocaliza alto. Ydegart se recupera do
desmaio.
- O que houve?
- Você apagou! – disse Camar,
gritando assustado por debaixo da manta.
Porfi ajuda Ydegart a se levantar e segue com ele para a saída da
caverna.
- Para onde vocês vão! – grita Tiri,
após ouvir trovões distantes.
- Acho que escutei algo – responde
Ydegart, percebendo a ansiedade do mesca.
- Cuidado! Pode ser os dromis! – grita
Camar, descontrolado.
Porfi olha para Ydegart.
- Odeio dromis!
Ydegart ignora o comentário.
- Não é isso Porfi! Olhe!
- Um mesca!
Ydegart corre em direção a uma incomum e forte ventania e vai buscar o
outro mesca para a caverna. Porfi o acompanha com o olhar. Observa o céu
escurecendo com ameaçadoras nuvens negras deslocando-se rápidas e
relampejando. Escutam-se vários e fortes
estrondos. Ele ver um flash de luz laranja no alto do platô e não consegue
visualizar o céu.
- Olhe Ydegart! – Porfi grita,
tentando vencer o ruído do vento.
- Estou vendo! Vamos entrar, o céu
parece que vai cair sobre nós!
Ydegart leva o mesca para junto do outro. Porfi com a ajuda de Tiri
levanta uma grande pele curtida e fecha a entrada da caverna. A clarabóia da
área ao lado, onde costumam dormir, parece um instrumento de sopro ampliando o
som do vento. Após alguns minutos, todos se acalmam. Camar abre a manta.
O RETORNO DE YDEGART
- Que cheiro é esse?
- É kyphi, a fumaça boa que Latem usa
– disse Porfi.
Todos se concentram em farejar o cheiro do incenso que sobe por uma
passagem no interior da caverna.
- Olhe! Vem daquela passagem – aponta
Porfi.
O vento derruba a porta de pele lançando-a para cima de todos. Os mesca
se agitam e seguem aparentemente tranqüilos para a passagem que fora
anteriormente liberada por Latem.
- Para onde eles vão? – pergunta
Tiri.
Ydegart observa os mescas.
- Amigos não podemos ficar, logo vai
escurecer, o frio e o vento apagarão o fogo. Aprendi com Ascat que sempre
devemos confiar nos mescas! Vamos segui-los!
A maneira como Ydegart se expressou, revelando segurança e prudência,
transmitiu para Porfi, Tiri e Camar uma sensação inconfundível de um autêntico
líder. E mais do que isso, eles olham admirados por saberem uma parte do que
representa a lenda viva: “O Ydegart está aqui conosco” foi o pensamento
coletivo que os emocionava em segredo.
Ydegart olha para os três amigos.
- Vocês estão bem? – Silenciosos, os
três confirmam com gestos.
Ydegart segue na frente. Percebe que os mescas estão muito adiantados. O
cheiro de kyphi fica mais intenso. Eles olham curiosos se apoiando na
parede.
Uma pequena chama estaciona, flutua e serpenteia suavemente sobre eles iluminando
o caminho. Finalmente enxergam luz no fim da escadaria e encontram a larga
câmara dos aposentos de Latem. Os mescas bebem água próximo da fonte. A chama
rodopia em direção onde Tabu se encontra.
- Olhe! É Tabu! – Porfi corre em
direção ao ancião.
- Tabu! Tabu!
O velho manasis abre os olhos e se alegra em ver Porfi, eles se abraçam.
- Encontrei você! Meu jovem
mensageiro!
- Tabu....O que faz aqui?
- Latem me achou, estava quase morto
e...onde estou?
- Na morada de Latem.
Tabu olha sobre os ombros de Porfi.
- Ydegart! Tiri!...Camar? É você?
- Como vai velho amigo, saudações
amabis!
- Saudações!
Tabu se levanta rápido e com desenvoltura. Percebe que está revigorado,
sem dores e uma estranha disposição.
Camar observa:
- Os ares da montanha lhe fizeram
bem!
O
ancião sorrir, concordando. Ydegart se aproxima.
- O que houve Tabu? Onde está Nelin?
- Sinto muito Ydegart, não sei dizer.
Sumiram todos – Tabu se apressa em se vestir.
- Lá fora, o tempo está muito feio! –
argumenta Tiri – Tem alguma coisa muito séria acontecendo e acho que está muito
perto de nós.
Enquanto escutava a conversa, Ydegart caminha atento pela câmara. Olha
para a fonte, as águas límpidas. Ele sente uma energia familiar correndo por
suas veias. De súbito, o gato Mau pula de uma pedra e desce ao solo. Segue em
direção a Ydegart que se mantém imóvel.
- Não tenha medo Ydegart, são
inofensivos! O nome dele é Mau!
O gato mia e encosta na perna de Ydegart. Tiri se abaixa e estende a
mão. O gato corre em sua direção e logo em seguida está em seus braços.
- Ydegart! Você é chave de todas as
respostas. Precisamos ficar aqui, aguardando Latem. Ele protege o nosso povo
desde os nossos ancestrais. Não é um manasis, amabis ou urus. Quando o
encontrar, não estranhe a sua aparência. Ele não é deste mundo. Ele sabe da sua
condição, sem lembranças, ele vai lhe curar e tudo ficará claro como a luz do
dia.
Ydegart escuta com atenção e silêncio. Apesar de está surpreso e feliz
com a possibilidade de recuperar a memória, seus pensamentos estão voltados
para Nelin.
No alto do platô, Latem encontra-se sozinho a espera do líder dos
dromis.
De repente, os fortes ventos param. Um silêncio absoluto e uma luz tênue
envolvem o ambiente, criando uma protetora atmosfera numa cúpula de energia.
Latem percebe a chegada discreta do líder dos dromis. A sua silhueta imponente
se ilumina com os vapores gelados da noite que já se apresenta. O dromi
atravessa tranqüilo pelo campo de energia. Seth, em forma de lobo, também
aparece por trás de Latem.
Quando chega a poucos metros, o líder dos dromis se transforma em um
homem da raça humana. Ele usa trajes nobres que demonstra a sua antiga origem.
Solidário, o lobo Seth se transforma em mulher e fica ao lado de Latem.
- Seja bem-vindo, filho de Snefru –
Saúda Latem, numa antiga língua egípcia.
- Recebi a sua mensagem e a esfera. O
que me trás a presença de tão poderosos deuses? E qual o motivo de tamanha
generosidade?
- Chegou o momento da libertação,
nobre Khufu. Devo isso ao teu pai, o criador da vida deste mundo – responde
Latem.
- Deusa Seth – Khufu faz uma
respeitosa reverência.
Também usando trajes egípcios, Seth retribui com gestos suaves, sem
perder a sensualidade que lhe é peculiar.
- Espero que as nossas diferenças possam
ser superadas Khufu – comenta Seth.
- No tempo que eu conheço, foi
suficiente para compreender a sua atitude. Fui devidamente castigado pela minha
insanidade na Terra.
- Não foi castigo – intervém Seth –
Foi uma necessidade e um aprendizado para você com a permissão do seu pai. Uma
difícil missão que me foi confiada. Os aumarantes jamais permitiriam que você
se apoderasse completamente dos poderes herdados de Snefru e ameaçar a
integridade da Deusa Luna.
- Não sou um deus – disse Khufu,
humildemente – Não possuo tantos poderes como acreditam.
- Mas tem poderes extraordinários
para um semideus – esclarece Latem – Seu pai o aguarda antes de atravessarmos a
fronteira, espera que você colabore com a nossa jornada.
- Estou aqui para servi-lo – Khufu
faz nova reverência – Através dos olhos do gato Mau, recebi seus ensinamentos,
orientações e minha independência.
- Usará de sabedoria para servir a
todos e a si mesmo Khufu. Salvamos a sua vida e a raça humana foi preservada.
Impedimos que fosse aprisionado pelos aumarantes e de ter a sua memória apagada
ou mesmo permanecer em letargia.
- Ou pior! – comenta Seth – Poderia
engrossar as fileiras de semideuses que servem a Viga.
Khufu abre a palma da mão e a pequena esfera acende.
- Sou muito grato e sei que posso
retribuir. Com esta esfera, sinto forças extraordinárias, que fluem solidárias
ao meu desenvolvimento. Serei cauteloso em usar esse poder, precisarei sempre
dos seus conselhos Deus Rá. Percebo também, que o nosso tempo neste planeta
chegou ao fim.
Khufu olha para o céu:
- Vejam! Os aliados de Viga já estão
nesse mundo, uma guerra está acontecendo do outro lado do planeta e os dromis,
são uma das poucas criaturas legítimas desse mundo que está para ser extinta.
Latem se aproxima de Khufu:
- Essa esfera que está em seu poder é
um presente do seu pai. Ele o ama como tudo o mais que criou e conheceu. A
fonte do conhecimento que Snefru gostaria de compartilhar com você está contida
na esfera. Ela te revelará tudo que precisas para reconstruir e viver entre os
dois mundos, como foi a sua primeira intenção. O Planeta Gir e a vida que nele
existe, inclusive os dromis, seguirão o seu destino natural, como os muitos
corpos celestes espalhados por esse universo. Aos olhos do gato Mau, sempre
receberás os meus conselhos, quando assim precisares e quando ainda eu estiver
neste plano.
- Um novo mundo? Voltarei à Terra?
- Sim por que não? É parte da sua
missão, se você aceitar. Poderá visitar Gir, sempre que quiser e com os poucos
conselheiros dromis que ainda lhe restam.
- Envergonho-me deles. Não fui forte
o suficiente para orientá-los. Lamento por terem provocados tantos transtornos.
- Não precisa se envergonhar. Foram rebeldes
e péssimos conselheiros na Terra e aqui em Gir. Você deu-lhes o livre arbítrio
para decidir em que caminho queria seguir e eles fizeram a escolha.
- Seguiram o caminho da ambição, a
mesma que quase me destruiu.
- Escolheram viver como seres livres,
renegando direitos, deveres e responsabilidade. Rebelaram-se e criaram outro
clã. Tinham medo do futuro e não queriam se culpar por isso. Fizeram o que
achavam que era o certo.
Seth lamenta o passado:
- Infelizmente, tive que matar muitos
dromis.
Khufu faz um gesto e cinco homens se materializam por trás dele,
discretamente trajados e silenciosos.
- Nem todos se rebelaram. Esses são
os meus fieis conselheiros.
- E todos os legítimos dromis? – pergunta
Seth.
- Estão as dezenas aqui na montanha,
seguros e assustados.
- Dezenas? Não imaginava que causei
tantas baixas, na verdade nunca me preocupei em contar.
- Os crocodilos fizeram bem seu
trabalho – responde Khufu.
- Foi necessário – interrompe Latem –
Serão devolvidos ao seu mundo de origem.
- Sabemos disso, poderoso deus. Mas,
qual é a minha missão?
- Retornará a Terra, seu lar de
origem e lá viverá com seus conselheiros na forma humana e original. A espécie
dromis existirá definitivamente aqui, sobe a sua proteção. Eles reinarão livres
nesse planeta, mas sempre terão de ter cuidado e manter distância dos futuros
habitantes conscientes. Escolha um líder legítimo para eles seguirem.
- E os gatos?
- Uma parte deles retornará a Terra e
alguns ficarão. Os dromis vão entender que não precisam ter medo dos frágeis
gatos.
- Já escolhi um novo líder para os
dromis. Seth o conhece bem. Ele sempre escapou de suas espreitadas, é forte e
inteligente.
- Fez uma boa escolha – concorda
Seth.
- O meu antigo e primeiro povo sempre
admiraram os gatos e com os dromis não será diferente. Cuidarão dos poucos que
aqui ficarem com os devidos respeitos – promete Khufu.
- Mas antes, preciso que você ajude
conduzir Ydegart e seu povo para o seu planeta natal, onde estarão seguros em
completar a sua evolução – orienta Latem.
- Mas como poderei fazer tudo isso?
Meus poderes são limitados.
- Temos amigos que nos ajudaram nessa
viagem.
Seth se aproxima de Khufu:
- Você ajudará em conduzir povos especiais
e fundamentais para uma futura existência nessa galáxia. As civilizações da
federação não têm conhecimento da existência de vida consciente aqui, dos
dromis e o do povo de Ydegart em especial.
Latem fornece mais informações:
- Houve uma necessária intervenção no
passado, realizada por um casal de deuses. Tiveram a valiosa ajuda dos
deluvianos, seres por mim criados. Eles estão agora, na órbita desse planeta,
lutando em grande vantagem contra as forças de Viga, eliminando-os.
- Em breve, chamará a atenção da
federação – alerta Khufu.
- Sabemos disso. Mas não os
encontraram aqui. Os deluvianos com ajuda dos gruns, que foram enviados pela Deusa
Lilith, fizeram um excelente trabalho.
- Um pouco traumático – reconhece
Seth - Todos os vestígios da presença do povo de Ydegart, casas, utensílios e
objetos pessoais foram apagados. Ficaram apenas as inscrições nessa montanha.
Em cada clã do povo de Ydegart, deixamos anciãos que preservavam e repassavam
parte da sua cultura. Um dia, tudo será revelado e compreendido.
Latem se aproxima da parceira:
- Em muitas vezes, Seth tinha que
usar seus poderes para garantir a união dos clãs, chegando assumir a forma
deles. Entre os manasis, assumiu a identidade de Domar, um órfão que desde
jovem foi adotado pela matriarca Julaia e com a chegada de Zuila, uma
importante aliada, conseguimos completar nossos objetivos. Zuila é conhecida
entre os manasis como Nelin, é uma das fieis colaboradoras de Lilith e esposa
de Ydegart, recebeu ensinamentos e domínios sobre os gruns, criaturas oriundas
de um reino vizinho a está galáxia.
- E como seguiremos para a Terra e
como poderei visitar Gir?
- Em outro passado, havia um pequeno
planeta que teve a sua superfície transformada em puro carbono e pertencia à
órbita do sistema solar onde a Terra ainda faz parte. Era conhecida em remotos
tempos entre os terráqueos como Planeta Éris. Em nosso tempo sideral e em
várias dimensões do universo, o diamantino planeta vermelho de condução
chama-se Estrela Navan. Seu núcleo e poder são gerados pela esfera embrionária
de um deus com o mesmo nome. É considerada uma lenda em muitas civilizações e
também é o maior pesadelo de Viga e dos seus aliados. A esfera Navan é
conduzida pela raça deluviana e será o transporte que você, seus conselheiros e
o povo de Ydegart utilizarão para chegar aos seus destinos.
- E quando será?
- Muito em breve. Assim que os
deluvianos derrotarem as forças de Viga, que pretendem destruir esse planeta,
eles virá resgatá-los.
- Estaremos preparados ao seu
chamado.
- Nos primeiros momentos de luz do
segundo dia, nos encontraremos novamente aqui e em pouco tempo já estarão
seguindo de volta ao lar.
- E os dromis? Outras investidas de Viga
poderão acontecer.
- Você poderá acompanhar o
desenvolvimento dos dromis da Terra, pelos olhos dos gatos que aqui ficarão. E
usando o poder da sua esfera, visitará o Planeta Gir e outros pontos da Galáxia
de Áxis, transportando-se e materializando-se pelas diversas pirâmides construídas
pelo seu pai e atravessando o tempo.
- Que mundo encontraremos na Terra? E
quando verei o meu pai?
- A Terra já não é a mesma, houve
grandes mudanças climáticas, mas serão bem recebidos pela nova raça que o
habita. No tempo do Planeta Terra, milhões de anos já se passaram desde a sua
época em Kemet.
Latem entrega uma fina e pequena placa de cristal com um hieróglifo.
- Kemet? – alegra-se Khufu.
- Sim. Entregue a Gumenzid, líder dos Deluvianos e condutor da estrela.
É uma chave programada por mim, que vai lhe conduzir de volta ao seu mundo.
- Somos
gratos.
- A sua presença e de seus
conselheiros na Terra será fundamental para auxiliar em garantir a sua
sobrevivência e de um novo destino que os aguarda. Você poderá encontrar o seu pai um dia. O
importante é lembrar sempre, que na Terra ou fora dela, enquanto seus
conselheiros estiverem sob a influência da esfera, seus corpos não sofreram
degenerações, mas não quer dizer que serão imortais, estarão unidos por uma
vitalidade comum. Só poderão se transformar em dromis quando estiverem aqui,
mas isso deve ser evitado.
- Estamos prontos para cumprir essa
missão, Deus Rá. Mas, aos olhos do Gato Mau, vejo que alguns dos seus protegidos
estão em perigo.
Há centenas de quilômetros dali, uma guerra aérea está terminando. As
vermelhas e luminosas naves-esferas oriundas da Estrela Navan, perseguem e
destroem entre as montanhas, um resistente grupo de esferas negras inimigas.
Próximo
ao solo, centenas de gruns aliados da Deusa Lilith realizam um embate sangrento
com outros gruns, fiéis as forças de Viga.
Um pequeno grupo inimigo de guerreiros aturianos, usando de última
tentativa de salvar suas vidas, montam em gruns e voam para locais de difícil
acesso. Eles conseguem escapar das esferas vermelhas, mergulhando e
camuflando-se nas escuras e geladas águas dos lagos pantanoso. No entanto, para
muitos foi um erro fatal, tornando-se vítimas fáceis dos desconhecidos e grandes
crocodilos que os engolem com facilidade. Os que sobreviveram, partem
desesperados e voando para fora d’água escapam por poucos centímetros das
abocanhadas e afiados dentes das feras aquáticas.
Ao se aproximarem de uma parte alta da montanha, os aturianos em pleno
vôo raso, pulam dos gruns e correm.
Contorcendo-se, eles se escondem nas fissuras de pequenas grutas do
paredão rochoso. Nos lagos, algumas esferas vermelhas assistem o banquete dos
crocodilos, certificando-se que nada sairá vivo, enquanto outras perseguem e
matam os gruns inimigos.
Uma minuciosa varredura é feita na montanha pelas esferas vermelhas.
Nenhum inimigo vivo é achado. As esferas se reúnem no céu e como se obedecessem
a um chamado, partem enfileiradas em direção ao espaço, recolhendo-se na
Estrela Navan.
Um grupo de gruns aliados reúne-se no solo, posicionando as cabeças para
o alto e emitindo grunhidos excitados. Um estrondo ecoa pelos vales e montanhas
e um grande halo luminoso vermelho recai sobre eles, fazendo-os desaparecer em
milésimos de segundos.
Os
aturianos são geneticamente desconhecidos. A espécie primitiva e original
encontra-se extinta devido ao próprio mecanismo evolutivo que rege suas
estruturas corporais. Um contato físico e prolongado com outro ser vivo,
permite uma transfusão osmótica através da pele e suas células assimilam
algumas características deste ser, podendo ser hereditárias ou não, conforme as
condições do planeta em que vivem. São seres miméticos, podem se camuflar com
as cores do ambiente, desde que estejam calmos e emocionalmente equilibrados.
Não sente frio ou calor, o que não impede de morrerem em função disso. Podem
ser adaptar e respirar em qualquer atmosfera e enxerga na mais profunda
escuridão. São tolerantes a luz e a dor e raramente sentem fome, e quando o
alimento é escasso, comem pequenas partes dos
seus próprios corpos que se regeneram em poucos minutos. Podem ser mover e
saltar rapidamente e os que possuem ventosas nos dedos, se deslocam e escalam
qualquer superfície. Outra impressionante característica de raças anturianas é
de imitar sons e vozes.
No combate, a fuga dos aturianos foi além da zona de conflito. Atingiu a
região montanhosa próxima de onde se encontra a caverna de Latem.
Percorrendo os estreitos túneis, os aturianos encontram com seus faros
apurados, as trilhas comumente utilizadas pelos gatos que vivem nessa região.
Uma grande quantidade de gatos se aproxima enfurecidos na tentativa de
espantar os invasores que não se intimidam. Alguns aturianos famintos chegam a
matar alguns gatos, sugando seus fluidos como se fossem esponjas. Outros
preferiram atacar os anilos, fazendo do contato físico com esses animais, a
inevitável transferência de características e estímulos mutantes.
Um líder dos aturianos que se adiantou na exploração das cavernas, chama
os demais para o seguirem. Ele havia encontrado um caminho para um ambiente
seguro e compartilha com o grupo as partículas de cheiro que captou, esfregando
as palmas das mãos nas narinas dos seus companheiros. Os aturianos já sabem que
não estão sozinhos naquela montanha e que essa informação seria valiosa para os
aliados de Viga, que os recompensariam. Uma invasão inusitada no Planeta Gir,
não totalmente controlada pela Estrela Navan, pode por em risco a missão de
resgate do povo de Ydegart.
Capítulo 4
O RETORNO DE YDEGART
Já é noite no Planeta Gir. Os transtornos atmosféricos e
eletromagnéticos provocados pela batalha haviam terminado. No céu, alguns
conglomerados de nuvens ainda exibem um misto de cores, resultado da poeira de
explosões das esferas inimigas.
Na câmara de Latem, onde manasis e amabis se encontram, os mescas se
agitam. Tabu se aproxima dos animais e tenta acalmá-los.
- Estão agitados, sentem cheiro de
predadores! Algo de ruim se aproxima!
- Dromis! São os Dromis! – diz Camar,
aflito.
- Odeio Dromis! – completa Porfi.
- Não acredito que sejam dromis –
disse Tiri – Latem falou que eles não entram aqui, tem medo dos gatos e...
Tiri não chegou a concluir as suas palavras quando todos escutaram
vários miados de gatos e chiados de anilos. O som surgia de vários pontos da
câmara.
- Eles devem está caçando – afirma
Porfi.
O Gato Mau se arrepia e corre para perto da fonte. Seus olhos emitem um
suave brilho, como um espelho que reflete as imagens do ambiente. Ele mia para
os mescas que partem em sua direção. Os animais entram na água e o seguem
conformados. Eles atravessam uma cortina d’água e uma projeção de uma falsa
parede que se dissolve, fazendo-os cair e desaparecer por um escorrego de pedra
limoso nas profundezas escuras da montanha.
Tabu se aproxima e observa.
- É um local de fuga! Eles fugiram!
Isso não é bom, devemos ir também!
Os outros também vão olhar.
- Não acho uma boa idéia! Devemos
ficar e esperar – aconselha Camar.
Ydegart procura algo na câmara:
- Seja lá o que for não temos como
nos defender.
- Temos armas! Vamos pegá-las – avisa
Tiri, o que os demais concorda e o segue.
Tabu se aproxima.
- Você já se sacrificou muito pelo
seu povo Ydegart, chegou o momento de nos sacrificarmos por você. Vá! Siga os
mescas! Salve sua vida! Tentaremos distrair essa ameaça!
O ancião se põe a frente de Ydegart e este pousa a mão em seu ombro.
- Ainda não sei quem fui Latem. Mas
sei até onde posso ser. Agora sou um manasis e a esse povo devo a minha vida.
Do alto e da escuridão da câmara, uma forma aturiana com garras e calda
de gato se precipita em direção as costa de Tabu. Ydegart grita e puxa Latem
para perto de si e cai com ele. Ydegart
empunha o braço para cima como instinto de defesa e um feixe de energia
plásmica sai do bracelete que Nelin o havia dado de presente de casamento. O
mutante aturiano se desmancha em poeira.
Mas logo em seguida, outro selvagem mutante salta imediatamente sobre
eles e cai morto antes de concluir o bote, uma flecha atravessou sua cabeça.
Ainda no chão, Latem e Ydegart se espantam com o que vêem. Porfi já armava o
arco e flecha acertando outro aturiano que pulara para atacar Camar, que
acabava de empalar outro inimigo com a lança.
Enquanto isso, Tiri girava a espada cortando com rara habilidade as
gargantas dos agressores que lhe atravessavam o caminho. Os três amigos mataram
os primeiros aturianos, que naquele breve momento, haviam entrado na câmara.
Tabu e Ydegart se levantam.
- Onde eles aprenderam a lutar assim!
– pergunta Tabu.
- No momento, queria saber o que tem
nesse bracelete – Ydegart observa o seu presente de casamento com atenção.
- Uma arma Ydegart, uma arma
poderosa, digna de um líder – responde Tabu.
Se perder tempo de comemorar o feito com os amigos, Porfi escala com
destreza uma pequena parte da parede da câmara e escuta ruídos ecoando de
vários buracos.
- Aqui tem mais dessas coisas! Estão
chegando por toda parte! São muitos, não vamos conseguir!
- Vamos sim Camar! Pegue o bum! –
Tiri se apressa em acender uma vareta no fogo, queima os pavios das bolas de
couro e arremessa para Camar. Ele atira dentro das fendas. Porfi faz a mesma
coisa em outro local.
As explosões fazem a câmara tremer e se desestabilizar. Gritos de dor e
pavor se escutam pelos labirintos ocultos da montanha. Mas nem todos os buracos
são possíveis atingir e colocar explosivos, são demasiadamente altos. Do teto
da caverna, outras mutações de aturianos com asas de anilos surgem sorrateiras,
arrastando-se pelo alto como morcegos, espalhando-se as dezenas.
- Mas o que isso! – grita Camar.
Ydegart não espera entender do que se trata e logo direciona o bracelete
para o alto queimando os estranhos seres que voam prá todos os lados
chamuscados e agonizantes.
- Tem outro buraco aqui! Debaixo da
escada! – grita Camar.
- Jogue a areia venenosa dentro dele
Camar! – grita Porfi terminando de jogar o último explosivo. O impacto deste
último o desequilibra e ele despenca da pedra. Ydegart corre para socorrer o
amigo e ao estender os braços para amortecer a sua queda, o bracelete acende
anulando a gravidade e Porfi cai suavemente em seus braços.
- Obrigado!
- Não precisa! – responde Ydegart
assustado, feliz por não ter queimado o amigo.
Ainda sem acreditar no que tinha visto, Camar põe rápido o saco de areia
venenosa sobre o buraco e com a ponta da lança abre um rasgo. O pó cai por
completo sobre os primeiros aturianos que se rastejavam procurando fendas
fáceis e mais baixas. O horror dos sons de sofrimento provocado pelo veneno era
indescritível. Logo surgiram dos buracos as primeiras vítimas, com a pele em
ardência e queimaduras que eclodiam bolhas purulentas. Os inimigos se
contorciam no chão ainda tentando alcançar fonte de água para aliviar as dores.
Mas Camar antecipava seus sofrimentos, espetando seus corpos com a ponta da
lança.
Tiri corre, subindo pela escada.
- Vamos sair daqui!
- Para onde? A noite já chegou está
frio lá fora! – alerta Porfi.
No meio da confusão, não
perceberam que Camar já havia subido até a entrada da caverna. Ao chegar à
saída, seus olhos se arregalam de medo. Ver Dromis atacando os aturianos que
tentavam entrar na caverna. Um dos dromis, um líder diferente, rugiu para Camar
e este desce as escadas gritando como louco.
- Dromis! Dromis! Dromis!
- Dromis? Isso está ficando muito
ruim e... Camar para onde você vai? – grita Tiri.
Camar sem perder tempo e sem pensar, atordoado pelo desespero e pavor
que nutre pelos dromis, pula na cortina d’água por onde os mescas passaram e
cai no escorrego gritando.
- Seguir os mescas!
Tabu olha para Ydegart e este balança afirmativamente a cabeça. Ele
senta no passo do escorrego com ancião Tabu em seu colo e se precipita para
dentro do túnel d’água, não havendo opção para Tiri e Porfi do que fazer o
mesmo.
Latem e Seth se materializam na câmara.
- Imprevistos acontecem – fala Seth
com ironia – Eu avisei que estávamos correndo riscos.
- Houve uma batalha e tanto por aqui,
minha casa está uma desordem – desconversa Latem.
- Foram atacados por aturianos!
- Seja quem foi Seth, já estão
eliminados.
- Seguiram pelo túnel d’água. Esqueceram
as armas, mas lutaram bravamente, aprenderam bem a manejá-las.
- Se eles não seguiram o Gato Mau, o
risco de descer para o lado errado do rio é... Os crocodilos! Preciso impedir
que sejam devorados!
Seth se transforma em lobo e subindo as escadas em largos saltos, sai da
caverna passando pelos dromis que abrem caminho. Salta em direção ao abismo
precipitando-se no ar e se transformado de imediato num falcão. Um dromis entra
na câmara, desce pela escada e toma a forma de Khufu.
- Creio que seus amigos por enquanto
estejam seguros Latem. Seus crocodilos estavam ocupados, fazendo a digestão
próximo ao pântano. Vão demorar um pouco para vencer a correnteza e chegar até
eles.
- O apetite dos meus meninos é
bastante voraz Khufu. E eles nadam bem.
- Tenho a impressão que o nosso tempo
aqui está mais escasso do que imaginávamos.
- Já estou mais que convencido disso
– responde Latem.
- Aos olhos do gato, eles seguiram
por outro caminho, consigo ver além dos mescas, Tabu e Ydegart - vislumbra
Khufu.
- Os outros três seguiram direto para
rio. Seth cuidará deles.
Do lado de fora da montanha, Porfi e Tiri chegam nadando na margem do
rio.
- Foi por pouco, onde está o resto?
- Não sei Porfi. Estava escuro, acho
que nos desencontramos.
- Onde está Camar?
Eles gritam chamando por Camar. E logo adiante ver o amigo exausto,
tremendo de frio, segurando-se numa pedra.
- Camar!
- Porfi! Eu não sei nadar! Ajude-me!
- Tenha calma! Já estou indo!
Porfi mergulha no rio e nada ao encontro de Camar. Com esforço, consegue
suspendê-lo na pedra.
- Pronto Camar! Agora é só seguir
andando com cuidado pelas pedras que você chega naquela margem.
Camar não tem forças para prosseguir. A pouca luminosidade que existe
vem do reflexo de dois pequenos planetas que ficam próximos a Gir.
- Não consigo, estou se forças!
- Tudo bem amigo. Vou tentar voltar
pelas pedras e lhe erguer com Tiri, não saia daqui!
- Não acho uma boa idéia voltar a
nado Porfi. Está muito cansado também e a correnteza aqui é forte.
- Tenho que tentar!
Porfi se liberta da pedra e as previsões de Camar estavam certas. Porfi
não consegue vencer a correnteza e dessa vez o leva para junto do paredão sem
saída. Porfi consegue se segurar em outras pedras mas está encurralado. Na
margem Tiri grita desesperado, fazendo gestos com o braço.
- Porfi! Porfi!
- Eu estou bem! Preciso descansar um
pouco!
- Não é isso! Olhe! Um crocodilo!
- O quê?
Um enorme crocodilo se aproxima em direção a Porfi. Tiri leva as mãos na
cabeça e catando pedras, joga no animal na intenção de afastá-lo.
- Suba Porfi! Suba!
Porfi tenta escalar o paredão, mas logo cai. O crocodilo mergulha para
escapar das pedras jogadas por Tiri, reaparecendo a poucos metros de onde Porfi
se encontra.
- Odeio crocodilos! – Porfi fala
baixo e conformado com seu destino, se encosta assustado no paredão.
- Porfi! – grita Camar, vencendo os
limites físicos. O medo do crocodilo e a intenção de salvar o amigo, o faz
tentar um último esforço. Ele consegue subir e corre rápido sobre as pedras.
- Pelos deuses! – lamenta Tiri, na
margem do rio.
O crocodilo chega perto do rosto de Porfi encarando-o. Em seguida,
mergulha enfiando a cabeça por entre as pernas de Porfi suspendendo-o em seu
dorso. Porfi entende que o animal não quer devorá-lo e observa que outros
crocodilos mal intencionados se aproximam, mas não avançam. Camar e Tiri não
conseguem acreditar no que seus olhos vêem.
Porfi chega à margem do rio em cima do dorso do crocodilo. Assim que
chega ao raso, ele pula do animal e sai correndo para perto de Tiri que já o
guarda a certa distância. O crocodilo fica na água, imóvel.
Camar chega correndo e abraça Porfi.
- Pensei que ele iria te devorar!
- Eu também, mas acho que esse gostou
de mim.
Por trás dos arbustos altos, o líder dos dromis surge acompanhado de
Latem.
- Na verdade, sabia que você monta
bem mescas, corajoso Porfi, mas nunca imaginei que poderia montar um crocodilo
– sorrir Latem, enquanto o crocodilo bate a cauda na água em sinal de protesto.
Os três se viram.
- Latem! Esse bicho salvou minha vida
e....
- Salvou mesmo!
- Latem! Tem um dromi enorme ao seu
lado – diz Camar já pensando em preferir correr para o rio e ficar sob a
proteção do crocodilo.
- É o líder dos dromis. É um amigo,
está do nosso lado, assim como aquele crocodilo.
- Para mim são todos iguais, nunca
parei prá olhar com calma qualquer diferença entre os dromis.
- Já é noite e o frio vai aumentar,
precisam secar e recuperar as forças.
- Não podemos voltar à caverna! Tem
criaturas estranhas por lá e....
- Já sabemos Camar. Vocês venceram e
todos estão mortos. Seguiremos agora para o abrigo da pirâmide.
Nesse momento surgem mais três dromis seguindo lentamente pela margem do
rio e desviando do crocodilo que os olha de soslaio.
- Ah não! Mais dromis!
- Fique tranqüilo Camar esses dromis
não são mais nossos inimigos. São nossos aliados. Subam nos dromis, eles o
levaram até a caverna.
- Eu não vou conseguir!
Tiri e Porfi confiam na palavra de Latem e se aproximam dos dromis que
se deitam para que eles possam subir.
- Vamos lá Camar! Feche os olhos e
pense que é um mesca!
Com esforço, Camar atende ao pedido. Os animais seguem rápidos em
direção ao abrigo indicado por Latem.
- Mau está aqui! Está guiando Ydegart
e Tabu até nós – Informa o líder dos Dromis por pensamento.
- Gosto desse gato.
Em pouco tempo, o felino corre para Latem. Ydegart e Tabu se escondem
desconfiados do dromi.
- Não se preocupem amigos, se
aproximem!
- Dromis não são perigosos?
- Sim Tabu, só para os que estão
contra nós.
- Tivemos muita sorte em sobreviver
lá em cima. Estou velho para essas coisas.
Ydegart observa tudo com cautela.
- Aproxime-se! Estava a sua espera.
Sei que existe muita confusão em sua mente, mas logo tudo será esclarecido.
- Desde que fui acolhido pelos
manasis não tenho lembranças do meu passado, quem realmente sou, meu verdadeiro
nome, de onde pertenço. Humildemente Latem, suplico a sua ajuda. Precisava lhe
encontrar, soube que tem poderes de cura!
- Terá toda ajuda que precisa, mas
também precisamos muito de você, seu povo precisa da sua liderança.
- Tudo é muito confuso, muito rápido,
acho que vou enlouquecer.
- Temos pouco tempo e alguns segredos
para revelar. O universo é complexo meu amigo, repleto de aprendizado e beleza
além do que os sentidos e a razão nos fazem crer, para muitos sem explicação,
para outros transparentes como a água. O que é extraordinário e mágico pode ser
natural e até corriqueiro para os que vivenciam. Tudo que existe está envolvido
num conjunto de hierarquias de objetivos que nos conduzirá a um final comum.
Latem se aproxima do dromi:
- Aqui está uma pequena amostra do
que falei, começando por esse dromi, que na essência possui outra forma,
anterior a essa e mas familiar, deixo que ele se apresente.
Latem olha para o dromi e este se transforma em humano.
- Saudações, meu nome é Khufu.
Espanto e recuo de Ydegart e Tabu. Balançam a cabeça em retribuição da
saudação, mas por instinto e surpresa do que por educação e respeito.
- Ele se parece com você Latem? É
humano?
- Sim velho amigo. É uma das muitas
raças humanas.
Latem se aproxima da margem do rio, entra na água e acaricia o
crocodilo, enquanto outros da espécie se aproximam, parecendo animados com a
sua presença.
- Muitas vezes não percebemos, mas
temos sempre amigos ocultos e desconhecidos que nos ajudam nos momentos
difíceis e se alegram nos bons momentos.
Mentalmente, Latem pede a Seth para conferir do alto se a região está
segura dos aturianos. O crocodilo afasta-se lentamente de Latem e os demais o
seguem mergulhando para o fundo do rio.
- E aquelas criaturas estranhas? De
onde vieram? Quem são eles?– pergunta Tabu.
- São aturianos, criaturas de outros
mundos. Servem a Viga.
Por um instante, o nome Viga fez algum sentido para Ydegart.
- Esse nome? Depois de muito tempo,
alguma coisa me parece familiar.
- O nome sim, mas nada de familiar –
responde Latem, olhando para o céu e observando o sinal do falcão - Nossos
amigos já chegaram e por enquanto não há ameaças.
- Vamos montados em dromis? – pergunta
Tabu.
- Temos uma maneira mais rápida de
fazer isso – disse Latem, que levanta os braços para o alto, fazendo surgir e
descer um halo luminoso sobre eles. Em pouco tempo, a luz se intensifica e
todos desaparecem.
Na caverna da pirâmide, eles reaparecem. Durante as primeiras horas,
todos se dedicam em recuperar as forças. Latem oferece roupas secas e farta
quantidade de alimentos, na maioria frutos.
Fora da caverna da pirâmide, Ydegart cuida dos mescas, os alimentado. Silencioso, Ydegart está envolvido em
pensamentos. Tabu observa a aflição do amigo e se aproxima.
- Está tudo bem?
- Onde está nosso povo? Onde está
Nelin? Onde está a minha memória?
- Não se aflija Ydegart. Sinto que
estamos muito próximos das respostas.
Também tenho muitas dúvidas e desde a época dos nossos ancestrais,
existem muitos mistérios que não foram esclarecidos.
- Mistérios?
- Sim. Tenho certeza que todos eles
têm ligação com a sua história de vida.
- Sinto falta de Nelin, às vezes
tenho a impressão que ela está aqui, nos observando de algum lugar dessa
montanha.
- Precisamos de respostas e acredito
que eles as possuem.
Latem chega sorridente e tranqüilo. Põem a mão sobre o ombro de Ydegart.
- Chegou o momento amigo, seu
tormento e de seu povo acaba hoje.
Ydegart anima-se com um leve sorriso de agradecimento. Latem ordena que
Porfi, Tiri e Camar apanhem as tochas.
- Seguiremos todos para o interior da
caverna da pirâmide,
- Estou velho e muito cansado com
tantos sustos – avisa Tabu.
Camar se aproxima de Latem:
- Também digo o mesmo.
Antes de seguirem, Tiri pergunta a Porfi:
- Onde estão as armas?
- Não sei! Acho que deixamos na
caverna, não lembro de ter descido com elas.
- Estamos bem protegidos com Latem,
acho que não precisaremos mais delas.
- Espero que não.
Ao se aproximarem de uma grande passagem na caverna da pirâmide,
observam o lobo Seth no alto de uma pedra. Latem olha para ele e diz
mentalmente para fique de guarda para evitar imprevistos. O lobo acompanha o
grupo até sumirem na escuridão. Seth olha para os mescas e estes entendem as
ordens para se abrigarem numa furna segura.
Durante uma longa descida, as tochas iluminam as pinturas na parede, que
conta mais histórias do povo de Ydegart.
Latem abre um compartimento na parede e convida para o seguirem.
Uma longa escadaria decrescente é percorrida. Ao chegar ao fim,
encontram um extenso salão. Latem ergue o braço e pequenas chamas surgem
acendendo dezenas de lamparinas. Depois, as chamas se juntam formando uma só.
Elas se elevam para o alto e assim todos podem compreender onde realmente estão.
Todos chegam ao centro de uma pirâmide.
O piso é desenhado com vários círculos em faixas simétricas, um dentro
do outro, conduzindo para o centro. Latem se aproxima desse centro, toca o
chão, e um pedestal circular de puro cristal se eleva a poucos centímetros do
piso. Ele levanta os braços e as chamas que estão no alto se unem numa só,
aumentando de intensidade um pequeno sol, girando em seu próprio eixo.
Fora
da caverna, o lobo olha para o céu e ver a Estrela Navan também aumentando o
seu brilho, iluminando todo o hemisfério do Planeta Gir. Ao longe, ele escuta
sons guturais e ver que centenas de gruns se aproximam e aos poucos vão
pousando agitados em pedras escarpadas, próximos à entrada da caverna. Montado
em um dos gruns, encontra-se Nelin. Ela desce do animal e anda em direção ao
lobo.
- Estou aqui. Chegou o momento.
O lobo salta da pedra se transforma em Seth.
- Estão todos lá embaixo. Finalmente
Ydegart se libertará do seu entorpecimento. Entre, mas por enquanto seja
discreta.
- Obrigado Deusa Seth. A nossa missão
finalmente estará terminada e devo-lhe uma eterna gratidão.
- Estava lhe aguardando, irei
acompanhá-la.
Nelin ordena para que os gruns protejam a caverna e eles obedecem com
alguns grupos voando e rodopiando. Nada escapa aos seus olhares.
No
interior da pirâmide, Latem estica o braço com a palma da mão aberta convidando
Ydegart para se aproximar e subir na plataforma de cristal. Ansioso e
compenetrado, Ydegart vai ao encontro de Latem.
- A verdade será revelada. Aqui, seus
amigos e parte do seu povo serão testemunhas de um renascimento. A sua mente
foi envenenada pelos poderes dos que servem Viga, para que você atendesse os
seus propósitos. Decidido em proteger seu povo e sua família, você aceitou
poupar muitos daqueles que amava. Um pacto foi realizado, você salvaria seu
povo e em troca serviria a Viga. Mas para isso, precisaria de uma parte do
poder e este poder não poderia conviver com as lembranças do pacto. O poder foi
corrompendo o seu interior e as suas virtudes até que você não tivesse mais
noção de tempo. Você se tornou um escravo de luxo, que reinava absoluto em
muitos domínios e dimensões desse universo. Muito tempo se passou para você
Ydegart, tempo que é difícil mensurar, carregando na mente imagens flutuantes,
a deriva pelo tempo-espaço que impulsiona a vida, a morte e a eternidade.
Venha! Aproxime-se deste centro. Confie no poder que lhe trouxe até aqui, o seu
poder, e deixe retornar a verdadeira e primeira natureza do Ydegart. Em seu
ser, encontram-se todos os caminhos e respostas que lhe guiará a saída para o
seu reencontro. Feche os olhos Ydegart! Sinta todos os valores de sua natureza
divina, natureza essa que está em toda parte. Respire, respire profundamente.
Uma atmosfera de emoção, paz e harmonia são sentidas por todos. Latem,
consegue hipnotizar Ydegart, que se encontra em postura ereta e semi consciente.
Latem se afasta do centro e da área dos círculos. Levanta os braços e a bola de
fogo que se encontra no alto, desce lentamente e envolve todo o corpo de
Ydegart. As chamas frias não o machucam, não ofusca e não o queima. Aumenta cada vez mais de intensidade,
neutralizando a influência de Viga sobre ele.
Sem que outros percebam, Nelin e Seth se aproximam por trás. Manchas
negras escapam do corpo de Ydegart e são queimadas por fagulhas que as
perseguem para o alto.
A bola de fogo emite diversas cores. Lentamente se eleva, fazendo
Ydegart levitar por alguns segundos, trazendo-o de volta a chão. Latem olha
para Nelin e faz sinal para que ela se aproxime. Nesse momento, os demais
percebem a sua presença, mas não esboçam reação. Ele levanta novamente os
braços e a bola de fogo se fragmenta e se dissipa.
Nelin aproxima-se de Ydegart que ainda está inconsciente. Toca no seu
rosto suavemente e o beija. Ele abre os olhos e sorrir sonolento, como se
acordasse de uma prolongada hibernação enquanto viveu como o impiedoso
Dracórius:
- Zuila.
- Ydegart.
Eles se abraçam. Lágrimas escorrem dos seus rostos.
- Eu me lembro de tudo. Como fui
capaz de ser tão cruel.
- Não foi culpa sua, olhe em sua
volta, o pensamento o trouxe!
- Como conseguiram?
- Os deuses Rá e Seth conseguiram.
Latem se aproxima, Ydegart vai ao seu encontro e se ajoelha.
- Deus Rá, perdoe-me.
Indulgente e com a aura radiante, Latem se abaixa e faz Ydegart se
levantar.
- Não há nada o que perdoar. Seja
bem-vindo.
- Lembro-me de tê-lo procurado por
todo universo e nunca o encontrei.
Ydegart olha para os demais presentes, seu semblante é tranqüilo e
amigável e eles se aproximam abraçando-o com efusiva alegria.
- Você teve muita sorte Ydegart – ele
levanta a cabeça sob os ombros dos amigos.
- Deusa Seth!
Porfi, Camar e Tiri ficam confusos com a bela humana que se apresenta
com o nome de Seth. Eles olham para Latem que responde seus pensamentos
balançando levemente a cabeça, afirmando que sim: A mulher e o lobo são os
mesmos. Eles permanecem em silêncio e atentos.
- Não consigo lembrar-me de como
escapei de Dracon – comenta Ydegart.
Seth se aproxima:
- Não poderia. Os teus poderes foram
bloqueados.
- Lembro que fui ferido por um
humano, o General Nergal. E houve uma grande explosão. Fui abandonado pela
Deusa Lilith.
- Você não foi abandonado, ela que o
salvou.
- Mas como?
- A verdadeira Deusa Lilith foi
transportada do mundo aumarante, para a verdadeira Lua Negra, momentos antes da
explosão de Dracon. Você achava que servia a ela, mas na verdade, sua mente
entorpecida servia a Viga e era esse o plano. Muitos povos do universo também
acreditaram que a Deusa Lilith seria a responsável por tantas atrocidades e
sofrimentos. Outros deuses se unem na tentativa de enfraquecer sua força e seus
aliados. No instante em que tudo foi destruído, ela retardou a estrutura de
tempo e conseguiu salvar todos com a ajuda da Deusa Nanna.
- Meus irmãos...estão mortos...Detra,
Draves.
- Infelizmente sim. Apenas Forseti sobreviveu.
Latem observa Ydegart com atenção:
- Quando
vocês foram abduzidos no Planeta Sir, Viga obrigou
você e seus irmãos que servissem aos seus propósitos de destruir as criações
dos deuses. O pacto foi que o povo de Sir, ancestrais dos manasis, amabis e
urus, teriam abrigo em um planeta seguro. Eles foram transportados para este
planeta, pouco depois da decadência da cultura dromis. Para isso, teriam que
anular os poderes do Deus Navan e dominar a sua esfera natal. Não havia vida
consciente naquele remoto lugar do universo, onde deixei minha esfera, o sol
deles, como sinal de minha passagem. Navan tinha uma importante missão em criar
os aumarinos. Viga os localizou e enviou seus aliados para destruí-los.
- Tempos
depois. Retornamos seguindo um sinal que encontramos de uma sonda desconhecida
– Lembra Ydegart.
- Sim. E mais
uma vez falharam – comenta Seth.
- Sinto profundamente por tudo
isso...
- Não foi sua culpa, já dissemos – disse
Zuila – Tivemos uma nova oportunidade. Servir a Deusa Lilith todo esse tempo e
quando ela o salvou lhe transportou para esse mundo. Na noite em que as pedras
de fogo caíram do céu, você chegou com os vestígios da explosão de Dracon.
Recebi a confirmação da Deusa Seth que você finalmente havia retornado. Eu só
precisava de uma oportunidade para cuidar dos seus ferimentos e conduzi-lo até
Latem. Todo esse tempo, tive o apoio e proteção de Rá e Seth. Viver entre os
manasis era o meu maior orgulho, pois eram descendentes do nosso povo
draconiano. Ajudei a cuidar deles até a sua volta.
- E agora? – diz Ydegart.
Enquanto fala. Latem se afasta um pouco para um lugar mais reservado.
- Precisa reconduzir seu povo
draconiano a sua verdadeira terra natal. A Estrela Navan está aqui para
transportá-los. Seu povo está seguro e bem cuidado pelos deluvianos.
- Estrela Navan?
Zuila tranqüiliza Ydegart sobre os fatos que ele ainda desconhece.
Camar até então observa tudo com curiosidade, não resiste em participar
da conversa:
- Um momento, quer dizer que aquela
história nas pinturas do deus que foi visitar a filha e tudo mais era você
Latem?
- Sim amigo. Sou eu.
- Eu disse nada de sustos lembra?
- Lembro, mais ainda não posso
prometer isso.
Um círculo desce do teto e dentro dele um ser gigante. Ele olha para
Latem e inclina levemente o corpo para frente.
- Navan Deus Rá.
- Navan Gumenzid – Chegou o momento. Conduza esse belo povo para casa.
- Por favor queiram se aproximar desse círculo –
orienta o deluviano.
Um novo
feixe de luz se projeta sobre eles, ficando para trás apenas Latem e Seth, que
se transportam para a superfície.
- E os gruns? – pergunta Seth.
- O que tem eles?
- Zuila havia dito que Lilith queria eles aqui em
Gir por algumas semanas. Ela quer ter certeza de que nenhum aturiano esteja
vivo.
- Deixemos que Lilith decida sobre seus gruns. E os
Dromis? – pergunta Latem.
- Querem colaborar com os Gruns nessa caçada. Parece
que as espécies se identificaram bem.
- Então que seja. Nossa missãoa qui terminou.
- Podemos ir?
- Sim, Lilith nos espera.
Latem e
Seth observa a Estrela Navan deslocando em velocidade e evaporando no espaço
por entre um círculo vermelho. Imediatamente, a Estrela Negra chega próximo a
órbita do Planeta Gir.
- O nosso transporte chegou – disse Latem.
- Já era tempo - responde Seth, anciosa.
- Você não colocou no convite de casamento onde
seria festa? Colocou?
- Não, achei que deveria ser uma cerimônia...digamos...bem
íntima. O que acha?
Latem se
apresenta novamente com a aparência mais jovem:
- Acho perfeito. Tryrari possui belos oceanos e
praias paradisíacas com águas mornas.
Escuta-se
um estrondo. Uma aurora multicores se forma na atmosfera do Planeta Gir.
Latem e
Seth dão as mãos. Um círculo desce do ceu envolvendo-os e transportando-os para
a Lua Negra que segue viagem para uma galáxia vizinha.
Enquanto
isso no Sistema Draconiano, no Planeta Sir, um grupo de viajantes é saudado por
centenas de naves e escoltas ao redor da Estrela Navan.
Em solo, o
povo ancestral dos manasis, amabis e urus se unem em cerimônia onde o jovem
soberano Dizart Dracórius oferece as boas-vindas e acolhimento.
Ydegart encontra-se distraído com Zuila e
Julaia quando Ascat se aproxima.
- Bom
trabalho mensageiro! Provou muita coragem e valor.
- Não
conseguiria se não fosse a ajuda do meu povo – eles se abraçam forte.
- Estou
curioso com a uma coisa? De quem era aquele convite de casamento que você tinha
quando o encontramos?
-
Sinceramente não sei.
- Achei que
tinha recuperado a memória?
Ydegart olha para Zuila:
- Não sei. Conversei
com anciões amabis e eles também desconhecem esse casamento.
- Bom! Acho
que podemos conviver com esse mistério – sorrir Ascat – Vamos! Quero lhes
mostrar uma bebida que é feita com umas sementes estranhas que Camar trouxe do
nosso antigo mundo.
Ao chegar a um abrigo improvisado, Ydegart
tem uma surpresa. Seu irmão Forseti o aguarda.
Envolvidos em forte emoção, se abraçam.
- Seja
bem-vindo a sua casa meu irmão.
Ydegart observa o abrigo com detalhes.
- Acho que
podemos fazer melhorias... Aqui por exemplo: poderia levantar...
Forseti quase não escuta o que o irmão
fala. Sabe que ele sempre foi muito engenhoso em aprimorar as coisas e criar
soluções rápidas para enfrentar dificuldades. Ele pensa que talvez tenha sido
essa habilidade nata que os aliados de Viga tenham percebido em escolher ele
como um líder em Dracon. Ver Ydegart feliz e recuperado deixa Forseti repleto de
esperanças. Um grandioso futuro aguarda o povo draconiano.
Mais
adiante, Porfi, Camar e Tiri observam de um penhasco o amanhecer de um
abundante vale rodeado de rios e lagos.
- Sentirei
falta daquele mundo – disse Porfi.
Camar tem dúvidas:
- Depois
que conheci os Dromis não tenho mais certeza. Esse mundo também é bom.
- Também
não odeio Dromis
- Estou com
fome!
- Camar!
Pelos deuses você só pensa em comida! E você Tiri. De que sente falta?
- De Mau, o
gato. Já me informei, não existem gatos por aqui.
- Tinham
tantos por lá? – disse Camar sorrindo.
- Não deu
tempo de pegar ele e afinal aquele gato era de Latem. Já estou conformado.
- Será que
algum dia voltaremos? – pergunta Porfi.
- Perguntei
a um daqueles gigantes. Não entendi direito a resposta. Ele disse que precisamos
de um transporte veloz e que estamos mais
distantes do que a nossa imaginação pode alcançar.
O sol
draconiano nasce, enchendo a paisagem nebulosa de beleza e harmonia, convidando
ao silêncio.
Novamente
envergando o espaço-tempo, a Estrela Navan se movimenta e desloca-se para outro
ponto do universo. Segue para outras missões, para outras revelações.
FIM
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